Entrevista

Barra do Corda:
'Época mais feliz da minha vida'

jornal Turma da Barra

 


Casa do administrador da Vila Canadá
foto da década de 50
Atual Cartório Eleitoral da Barra


por Raphael Castro


            Na noite de sexta 12, no Uniceuma, em São Luís, Eliézer Moreira Filho lança dois livros de memória: Memórias de meu tempo e Histórias que os jornais não contaram.
            Eliézer Filho viveu parte da infância e da adolescência em Barra do Corda. Assim, registra fatos entre os anos 1942 a 1956, quando seu pai, Eliézer Rodrigues Moreira, foi o primeiro administrador da Colônia Agrícola Nacional, atualmente Incra.
            Eliézer filho conta como era a Barra do Corda de então: a vida cotidiana, social, econômica e política.
            Diz da importância da chegada da Colônia para Barra do Corda, o que ela fez, cita obras do porte das duas pontes sob os rios Corda e Mearim, rodovias até Presidente Dutra, estradas vicinais, a Ladeira do Corte, povoados com infra-estrutura e o projeto inacabado da hidrelétrica da Cachoeira Grande, energia que iria impulsionar economicamente Barra do Corda com a introdução de fábrica de cimento, porque há jazidas de calcário na Barra ainda inexploradas. Em Grajaú, a hidrelétrica iria dar impulso à gipsita, o gesso que atualmente começa a ser explorado na região grajauense.
            Para falar do lançamento dos livros de memórias, principalmente desse tempo barra-cordense, Raphael Castro foi até a residência de Eliézer Moreira Filho para uma entrevista especial.
            Em um certo trecho da entrevista, Eliézer Filho confessa: “sinto uma saudade muito grande da Barra.” E conclui: “Foi à época mais feliz da minha vida”.

 

SOBRE O LIVRO

Ao ser perguntado do porquê em escrever dois livros de memórias, Eliézer Moreira Filho diz que foi motivado por uma de suas filhas (Mônica, a mais velha) a fazer inicialmente uma árvore genealógica da família. Mas ao começar a fazê-lo, perguntou-se por que não ir além de uma genealogia e falar sobre a sua própria história, já que ela naturalmente se confundia com a história da sua época, lugares, fatos e personagens. Foi assim então que começou o projeto do livro de memórias.

INFÂNCIA EM BARRA DO CORDA

Eliézer Filho relata que chegou em Barra do Corda em 1942, com 7 anos de idade, e ficou até aproximadamente 1951, quando saiu para estudar em São Luís. Mas ia sempre passar as férias com o pai (Eliézer Rodrigues Moreira) na cidade.

Afirma que desde pequeno desenvolveu uma sensibilidade social muito grande. Sua infância em Barra do Corda contribuiu sobremaneira para aguçar esse sentimento de lutar pela igualdade. Na época, como a Barra ainda era uma cidade pequena, circunscrita apenas ao centro histórico [ou cidade velha], como prefere citar, as crianças brincavam em clima de total liberdade, igualdade e união, sem distinções de classe social, cor etc. Todos se conheciam e eram amigos.

CARÁTER SINGULAR DOS BARRA-CORDENSES

Indagado a falar sobre Barra do Corda através dos tempos, diz que o barra-cordense tem muitas peculiaridades e singularidades. Associa o caráter singular de união dos barra-cordenses ao fato da existência dos dois grandes rios, que determina o congraçamento entre as pessoas a partir do banho, lavagem de utensílios domésticos, roupas e, principalmente, as brincadeiras. Brincadeiras essas que unem as pessoas de todas as classes, cores e religiões.

ÁREA CULTURAL E AMBIENTAL

Disse que Barra do Corda desenvolveu-se muito na área cultural e de consciência ambiental. A área cultural ainda continua se desenvolvendo, junto com a ambiental. Como exemplo, citou a reconstrução da ilha central e uma valorização da preservação dos rios Corda e Mearim.

PAPEL DOS BARRA-CORDENSES

Citou a migração sistemática dos barra-cordenses para o Distrito Federal (cidade que tem uma das melhores universidades públicas do país, a UnB, e que inspira cultura) em busca de melhores condições de vida e de estudos mais aperfeiçoados.

Para ele, o papel dos barra-cordenses que moram distantes é um dia voltar para sua terra natal e construir uma sociedade mais justa, digna e igualitária, promovendo o que ele chama de uma mudança de fora para dentro.

UNIÃO DOS BARRA-CORDENSES É SURPREENDENTE

Citou que os filhos de Barra do Corda que moram fora da cidade são unidos, continuam ligados por laços afetivos à cidade natal, que parecem nunca se romper, e como essa união lhe surpreende, pois não presencia isso em outros munícipes. Tudo relativo à Barra desperta interesse aos seus filhos e nada os permite se desligar disso.

POLÍTICOS FAZEM POUCO PELA BARRA

Afirmou que politicamente a cidade não mudou muito, pois ainda permanece com os mesmos dilemas políticos do passado; os políticos fazem pouco. Para ele, numa cidade pequena como Barra do Corda, a política é fundamental, pois ela é a principal responsável pelo desenvolvimento da cidade, os políticos não avançaram muito ao longo dos anos, ou seja, não fizeram muito para mudar o quadro de subdesenvolvimento da cidade, investimentos em infra-estrutura, educação, saúde etc.

Também afirma que a cidade avança culturalmente, mas politicamente não teve resposta em avanços: se a política não é transformadora, a sociedade não se transforma.

COLÔNIA AGRÍCOLA NACIONAL

Sobre a Colônia Agrícola Nacional instalada em 1942 em Barra do Corda pelo governo de Getúlio Vargas, disse que era uma estratégia do governo federal de ocupar para preservar, através da marcha para o oeste.

COLÔNIA REVOLUCIONOU BARRA DO CORDA

A Colônia revolucionou a vida da pacata cidade de Barra do Corda, na década de 1940. Observou que era uma cidade estagnada economicamente, no meio de um espaço vazio muito grande. A sociedade barra-cordense era estamental, não havia possibilidade de ascensão social. O poder político e econômico estava unicamente nas mãos dos grandes comerciantes da cidade. A Colônia quebrou isso, houve uma transformação social com a inserção de uma nova classe, a dos funcionários públicos federais, e isso teve um impacto violentíssimo. Houve alguns casamentos entre esses funcionários e filhas de Barra do Corda.

COLÔNIA ERA FORTE E PODEROSA

A Colônia Agrícola Nacional era muito forte e tinha muito poder. Inicialmente poder econômico, com o passar do tempo, poder político também. O dinheiro da Colônia não era mil, eram milhões, afirma.

MUDANÇA DA IGREJA MATRIZ

Foi o pai de Eliézer, administrador da Colônia Agrícola, quem encampou a luta e fez acontecer a mudança de local da antiga igreja matriz - que era localizada no centro da praça Melo Uchoa, para o local onde se encontra atualmente, entre o Pio XI e a Delegacia de Polícia. Para isso, teve que ser derrubado o antigo paço municipal. Segundo Eliézer Filho, era um prédio que não havia nada de significativo. A mudança foi votada na Câmara Municipal, apenas dois vereadores votaram contra.

MOTIVOS DA MUDANÇA DA IGREJA

Perguntado sobre o que motivou seu pai a propor a mudança do local da igreja Matriz, Eliézer Filho disse que foi em apoio ao projeto dos frades franciscanos, que já haviam conseguido recursos na Itália e já tinham até a planta da nova matriz.

POLÊMICA E FREI ADRIANO

A mudança causou tanta polêmica na cidade, que frei Adriano de Zânica (um dos idealizadores do projeto) foi embora para a Itália e não viu a igreja ser concluída. Eliézer disse que os frades eram grandes construtores, grandes educadores e foram um dos impulsionadores do desenvolvimento da Barra.

COLÔNIA E O INTERIOR

O mote da Colônia Agrícola Nacional era realizar um processo de interiorização, ressalta Eliézer Filho. Assim, abriu vários povoados no interior de Barra do Corda, com infra-estrutura para facilitar as condições dos agricultores com o objetivo de que morassem e trabalhassem nas glebas rurais.

ESTRADAS PARA COMUNIDADES

Foram construídas estradas para as vilas comunitárias pudessem ligar-se a cidade de Barra do Corda, também casas para os moradores, escolas (para povoações que possuíssem 50 crianças em idade escolar) e postos de saúde.

SOBRE ELIÉZER PAI

Eliézer pai tinha um tino administrativo tão aguçado que contratava professoras da própria comunidade (formadas no colégio das freiras da cidade), e que conheciam o ciclo de funcionamento da mesma, para ministrar aulas para as crianças. Havia até atividades de educação física. O ano letivo, por exemplo, respeitava o calendário agrícola, pois a família camponesa, em determinadas épocas do ano, necessita de toda a mão-de-obra familiar de que dispõe. A Colônia realizou um processo educativo muito forte nessas povoações.

CONTRATAÇÃO DE JAPONESES

Eliézer pai contratou profissionais japoneses (pois os japoneses em geral eram excelentes agricultores, ainda hoje o são) para municiar as agrovilas de sementes de boa qualidade.

ESPORTES ENTRE POVOADOS

A Colônia Agrícola promovia até jogos escolares entre essas comunidades, como uma forma de integrar os jovens através dos esportes. A cidade parava para ver esses jogos.

PONTES E A LADEIRA DO CORTE

Na sede de Barra do Corda, a Colônia fez a Ladeira do Corte, que dá acesso à Altamira, construiu as duas pontes sobre os rios Corda e Mearim, que dá acesso à Vila Canadá e à Tresidela. Para se ter um exemplo da qualidade das obras realizadas pela Colônia Agrícola essas duas pontes foram construídas há mais de 60 anos, e ainda hoje estão de pé, suportando todo o peso de maquinário que por ela passou ao longo do tempo. Essas pontes e a estrada foram responsáveis, respectivamente, pelo início do povoamento da Tresidela e da Altamira, pois facilitou o deslocamento até esses bairros.

Construiu também a estrada que ligava Barra do Corda a Curador (hoje Presidente Dutra) e a ponte sob o rio Flores.

Enfim, a Colônia fazia tudo na Barra, era auto-suficiente, e fez a cidade desenvolver-se muito.

ELIÉZER PAI, UM VISIONÁRIO

A primeira frase que vem à mente quando perguntado sobre seu pai (Eliézer Moreira) é: “era um visionário.”

Eliézer Filho disse que herdou também a sensibilidade social. Meu pai me levou pra conhecer tudo o que tava acontecendo de novo no país (as primeiras explorações na região amazônica, a nova capital federal: Brasília). Aonde ele pôde me colocar no acontecimento histórico, ele o fez.

PERFIL DE ELIÉZER PAI

Era um homem taciturno. Formou-se em Agronomia estudando em Piracicaba (SP) e em Belo Horizonte (MG). Fazia parte do quadro do ministério da Agricultura quando fora convidado por Getúlio Vargas para implantar o projeto pioneiro da Colônia Agrícola Nacional (as duas primeiras foram em Barra do Corda e Ceres, no estado de Goiás, tendo como responsável seu amigo de faculdade, Bernardo Sayão).

Em 1932, saiu do Rio de Janeiro direto para Barra do Corda, com o poder que teve, mudou os rumos da cidade.

Eliézer permaneceu na administração da Colônia de 1942 a 1951, quando desavenças políticas o fizeram sair do cargo, mas voltou em 1952, e foi tirado novamente em 1956.

SONHO HUMANISTA E PROFISSIONAL

Eliézer Filho conta que seu pai viu na Barra a oportunidade de realização de um sonho, sonho humanista e profissional. Ele tinha poder econômico suficiente para fazer andar qualquer obra que quisesse como profissional. E o fez. Construiu estradas, pontes, escolas, postos de saúde, comunidades, fez com que Barra do Corda se expandisse, se desenvolvesse.

SONHO DA HIDRELÉTRICA

Eliézer pai foi uma espécie de segundo prefeito de Barra do Corda por um longo tempo (de 1942 a 1956). Mas ela ficaria marcada mais ainda se a grande obra pretendida por Eliézer tivesse sido inaugurada: a hidrelétrica da Cachoeira Grande, a primeira e única do estado à época. É muito provável que Barra do Corda tivesse sido outra com a inauguração dessa gigantesca obra.

Eliézer via a possibilidade de gerar energia para Barra do Corda e Grajaú. Com energia suficiente e barata, visava implantar fábrica de cimento, aproveitando as jazidas de calcário existentes na região, bem como a gipsita de Grajaú, ou seja, vislumbrava a possibilidade de explorar economicamente os recursos naturais da região.

PROJETO CACHOEIRA GRANDE

O projeto da hidrelétrica da Cachoeira Grande foi apresentado ao governo federal, que o aprovou. Equipamentos foram comprados (ferro, cimento, veículos, turbinas, geradores, painéis elétricos) e levados a Barra do Corda, mais precisamente à Cachoeira.

Para se ter uma idéia da engenhosidade da hidrelétrica, iria ser adotado um projeto de telemetria que controlaria a abertura e o fechamento das comportas da usina da sede da cidade, há mais de 25km de distância.

POLÍTICA ACABOU COM SONHO

Eliézer pai se indispôs com o senador Vitorino Freire, o grande coronel do estado à época e, por causa disso, foi exonerado do cargo de administrador da Colônia quando a hidrelétrica estava perto de entrar em operação. E o novo administrador, nem o poder público municipal deram continuidade à obra para não dar prestígio político a Eliézer Moreira.

HIDRELÉTRICA ERA GRANDE OBRA

A hidrelétrica era sem dúvida a grande obra e a mais sonhada que Eliézer Moreira poria em prática. Os políticos não entenderam que a obra era mais importante do que seu pai. E que esse sonho tão acalentado teve um triste final, com os equipamentos sendo roubados, vendidos, ficando no local apenas os que não podiam ser transportados com facilidade, devido ao seu peso.

Eliézer Filho disse que seu pai ficou deprimido e frustrado, porque pensava que mesmo sem ele na direção da CAN, iriam concluir o projeto da hidrelétrica, porque era de interesse da população e do desenvolvimento da cidade, mas ninguém se mexeu, afirma.

SENTIMENTO ESPECIAL PELA BARRA

Eliézer Filho disse que seu pai tinha um sentimento especial pela Barra. Na Barra, cumpriu quase todas as realizações profissionais.

Mas conta que seu pai ficou frustrado pela não realização da hidrelétrica e dizia que no Maranhão ninguém reconhece o mérito das pessoas.

Sobre Barra do Corda, sustenta que foi perdida uma grande oportunidade num deserto de subdesenvolvimento que era o Maranhão.

Seu pai, Eliézer Rodrigues Moreira, faleceu em 1972 no Rio de Janeiro.

SIGNIFICADO DE BARRA DO CORDA

Eliézer Moreira Filho diz: “Sinto uma saudade muito grande da Barra.” Revela que “Barra do Corda significou uma parte muito importante e gratificante da minha vida, foi uma infância sem traumas, cheia de descontração, feliz, em que eu podia tudo.” E confessa categórico: “Foi à época mais feliz da minha vida”, afirma.

 

Leia também matéria sobre a Cachoeira Grande: Clique aqui

(TB/8/set.2008)