Artigo
Roubos em Barra do Corda
jornal Turma da Barra

 


Jorge Abreu

 

'Infelizmente, assim está Barra do Corda! Uma cidade insegura,
com ladrões agindo ao amanhecer, em pleno centro da cidade! Nos bairros, nem se fala. A violência está cada vez maior!'

            Cinco e quarenta e cinco horas da manhã de uma sexta-feira em Barra do Corda. Uma jovem senhora está sentada na calçada em frente à agência da Caixa Econômica Federal, no centro da cidade! Passo por ela e dou bom dia. Sigo o meu caminho. Estamos esperando dá seis horas, que é quando os caixas eletrônicos começam a funcionar!
            Faço mais uma caminhada nas imediações e, ao retornar, vejo um jovem indo em direção ao Mercado Central. De repente, dá meia volta e passa ao meu lado. Dou bom dia para ele, que me responde como um "Como vai, siô?". Está bem vestido: calça comprida e camisa de mangas compridas de malha! Aparentemente, um jovem como outro da cidade, que caminha pelas ruas de manhã cedo, como eu estou! Passa por mim e segue o rumo dele.
            Ao chegar em frente à Caixa, a jovem senhora me fala: "Acabei de ser roubada. Um rapaz apontou a faca para mim e tomou o meu celular!". Ela está bastante assustada e trêmula. Pergunto quem fez o roubo: "Esse rapaz, que passou aqui agora", responde.
            Infelizmente, assim está Barra do Corda! Uma cidade insegura, com ladrões agindo ao amanhecer, em pleno centro da cidade! Nos bairros, nem se fala. A violência está cada vez maior! O ladrão que vi estava a pés.E os que usam motos, carros? A pergunta que faço é: "Até quando eles continuarão a agir impunemente?" Porque, quando prendem, passam poucas horas na cadeia - logo são soltos. E o ciclo da violência continua! Foi a primeira vez que cumprimentei um ladrão na minha vida! Espero nunca mais fazer isso? Será isto possível. numa cidade assustada e desprotegida?

*Jorge Abreu é escritor e mora em Barra do Corda

(TB14abr2015)

 

Crônica de Jorge Abreu

"As três irmãs"
jornal Turma da Barra


*Jorge Abreu


            Viviam tão juntas - e faziam tudo sempre tão juntas - que, às vezes, pareciam uma só. O tempo tinha passado, agora já eram sessentonas, mas mantinham um hábito da infância. As três dormiam no quarto da primogênita e somente separavam-se quando, pudicamente, iam trocar de roupas em seus aposentos.
            Vestiam sempre vestidos do mesmo feitio, praticamente iguais, cores escuras, indo até os tornozelos e com os botões abotoados nos punhos e até o pescoço. Somente a do meio, única alegre e sorridente, ousava botar, em determinadas ocasiões, um vestido estampado, com desenhos de flores bem pequenininhas.
            Calçavam sandálias de couro que cobriam os dedos e a parte superior do pé, estavam sempre com terços nas mãos, nos pescoços, nos punhos. Fervorosamente católicas, só saíam de casa para a missa das seis, aos domingos, na Igreja Matriz. O resto do tempo, inteiro, passavam em casa, que tinha imagem do Sagrado Coração de Maria na sala, altares nos três quartos com imagens de santos que eram verdadeiras raridades, baús cheios de lembranças e saudades de tempos idos, e cozinha com fogão a lenha, onde elas passavam horas preparando as mais gostosas iguarias.
            O melhor doce de goiaba em forma de coração era feito na casa das três irmãs, e todos os outros doces eram melhores, se feitos na casa das três irmãs. Dos bolos, então, nem se fala: de fubá, macaxeira, trigo, chocolate, todos, mas todos mesmos, eram melhores se feitos na casa das três irmãs.
            Casar, nunca quiseram, apesar dos vários pretendentes. Foram deixando o tempo fluir e unindo-se cada vez mais, criando mundos particulares, mas diretamente conectados, em total sintonia. Metódicas, cumpriam os rituais diários de seus mundo de tal maneira, que pareciam dançar um fantástico balé diário, de três pessoas que tinham escolhido a solidão, o isolamento, a distância de tudo o que se passava fora de seus próprios universos.
            No Natal, faziam o maior e mais belo presépio da cidade. Era quando abriam a casa, pela única vez durante o ano, para receber os visitantes, que deslumbravam-se com os detalhes do presépio, tão simples, mas tão lindos, admiráveis. Teve um de dois andares e outro que tinha até simulação de cachoeira nas proximidades da manjedouro em que nasceu Jesus.Verdadeiras obras de arte, os presépios das três irmãs.
            Assim como era uma obra de arte o quintal das três irmãs. Os poucos privilegiados que a ele tinham acesso, principalmente crianças, ficavam simplesmente estarrecidos, embevecidos com a magia do lugar. Pés de fruta, tinha todos: mangueira, caju, laranja, limão, tangerina carambola, pés de abacate, jaca, melancia. Destacava-se um pé de um limãozinho azedo, que elas adoravam servir aos visitantes, só para ver as caretas que faziam na hora em que mordiam o tal fruto.
            No quintal das três irmãs, eram diferentes as árvores, que pareciam gente, o céu; as nuvens, a luminosidade do sol e da lua eram especiais, cinematográfica, o que fazia o lugar parecido com algo saído de um conto de fadas, uma história de capa e espada, um romance com amores impossíveis e trágicos.
            Elas só ficavam bravas quando moleques - ou malandros - tentavam purar o muro ou romper a cerca para roubar frutas. Gritavam, então, jogavam pedras, ameaçavam-os com pedaços de pau e cabos de vassoura. A não ser nestas ocasiões, reinava sempre a paz na casa das três irmãs, que um dia, como todos os seres humanos, disseram adeus e viraram novas estrelas no céu.
            Para Larissa, Liana e Luciana, que já viveram comigo em muitas vidas passadas  (em memória de Dona Aldenora, Dona Virgínia e Dona Vanjoca).

*Jorge Abreu é jornalista, mora em São Luís e está passando uma temporada em Brasília)

 

 

Crônica de Jorge Abreu

Amneres
jornal Turma da Barra


*Jorge Abreu



            "Palavras são como asas, transportam os sonhos da gente, elas próprias se exaltam as palavras, em torrentes, deixam-se ir como águas, desenham mapas vertentes, inventam contos de fada, falam de amor, indolentes, serpenteiam pelas casas, as palavras, simplesmente".
            O poema em prosa - Palavras - é do livro "Eva", da poeta Amneres, lançado na quarta-feira (04) no bistrô Bom Demais, no Centro Cultural do Banco do Brasil de Brasília, cidade em que morei há 20 anos e onde volto a passar uma temporada.
            "Quem é você, por dentro, onde me esqueço e o que enxergo é tão desconhecido? Olho em meus olhos e não reconheço onde o amigo, onde o inimigo".(O Eu e seu Duplo).
O nome é de princesa egípcia, mas Amneres é paraibana, radicada há 29 anos em Brasília. "Eva" é o seu sexto livro individual, pois em 1985 também participou da coletânea "Enquatro". No novo livro, ela fala de infância e velhice, alegrias e tristezas, vida e morte, amor e solidão, com uma simplicidade que parece a autora estar conversando com o leitor bem de pertinho,tratando-o com muita atenção e carinho. Veja o que ela sugere:
            "Lê esta página como um amante, toca cada palavra, alça os seus montes, roça-lhe as tetas, lambe-lhe as letras, molde-lhe as rimas, colhe os seus sonhos e seus espinhos" (Tu que me lês).
            Em primorosa edição da Editora Thesaurus (157 páginas, R$ 30,00), o livro tem bela edição final de capa de Victor Tagore. Além de trazer poemas em prosa(nova experiência da autora com a literatura), o livro é bilíngue: a tradução para o espanhol foi feita pela professora Zelda Stein (brasileira) e professor Daniel Sanchez (uruguaio).
            "Hoje direi o poema impulso, fluxo da alma, rio do desejo, cuja estética é o tilintar do pulso. Hoje darei não a tudo o que me esmaga, darei vazão à mágoa, ao tédio, ao obsceno oco que me naufraga". (Ecopoema).
            No lançamento, um ato interessante,muito interessante,em defesa da terra, contra o aquecimento global. Quem comprasse o livro ganhava uma muda de planta doada pelo Jardim Botânico ou pacotes de sementes, do Viveiro Pau Brasília.
            Amneres apresentou um recital, lendo alguns dos seus poemas, ao som de música clássica (Vivaldi, Haendel) e eletrônica (DJ Astrik). E não teve medo de revelar, em público, os seus medos.
            "Tenho medo do escuro, tenho medo do silêncio, do que há dentro dos muros, da dureza do que penso quando vejo o abandono na face com quem cruzo, medo dos meus demônios, medo do futuro... Mas de tudo o que há na terra - morte, câncer, assombração - é o medo da rejeição, cravado no coração, o punhal que em mim se enterra". (Punhal)
            Para os amantes da poesia, a seguinte informação: o livro será relançado em Brasília, no dia 9 de agosto, na Feira do Quituart (feirinha do Lago Norte), e também no Jardim Botânico, em data a ser definida.
"Vou seguindo a estrada onde ela me leve, cobrindo as pegadas dos que me precedem. Sem saber ao menos se há onde chegar ou se a existência é só caminhar". (Percurso)
            E no mundo mágico e onírico da poesia, Amneres prossegue com a sua jornada. Já estão programados lançamentos de "Eva" em João Pessoa-PB (Academia Paraibana de Letras); e, em outubro, a poeta participa, como convidada, do PsiuPoético, festival de poesia de Montes Claros-MG, que terá este ano, como tema principal, a poesia feminina.

*Jorge Abreu é jornalista, mora em São Luís e está passando uma temporada em Brasília

(TB/7/jul/07)

 

 

Crônica de Jorge Abreu

Conversa com Maria,
a estrela do cine Canecão

jornal Turma da Barra


*Jorge Abreu


            Uma noite, vendo um filme de guerra, um ex-combatente lembra do tempo em que integrou o esquadrão da Força Aérea Brasileira na Itália. Traumatizado pela terrível experiência - como ocorre com todos que vão à guerra -, o ex-combatente, no ápice do filme, confunde a ficção com a realidade e, ensandecido, saca o revólver que traz consigo e (combalido herói) atira na tela contra o inimigo imaginário, causando pânico no público, que, atônito, sai correndo aos gritos do cinema, sem nada entender.
            Noutra noite, um surdo-mudo, portador de necessidades especiais, que não perdia jamais uma única sessão de cinema, começa a vibrar junto com o público, a cada vez que o filme atinge um momento decisivo, tipo quando, num bang-bang, o justiceiro detona os bandidos, na eterna luta do bem contra o mal.
            Mas o surdo-mudo, por sua condição, tinha um jeito especial de torcer - emitia grunhidos-digamos assim,movimentando-se e gesticulando da maneira que só os portadores de necessidades especiais e os grandes atores que os interpretam sabem fazer.
            Ocorre que o surdo-mudo empolga-se demais, como nunca havia acontecido antes e os grunhidos tornam-se cada vez mais altos, os movimentos e gestos cada vez mais descontrolados. Até que a platéia, assustada, acha que ele está tendo uma crise de loucura e sai voando do cinema. Sobrou para o pobre coitado, pois a polícia acabou sendo acionada e o surdo-mudo parou na cadeia, por uma noite - só porque, por uns momentos, esqueceu a realidade e mergulhou fundo na ficção.
            E tem também a da espectadora que, no cúmulo do exagero, disse ter chegado ao cinema suspensa no ar pela multidão, que, ansiosa, apressada, lotou a sala, para ver "o maior filme de todos os tempos". Reza a lenda que a espectadora só botou os pés no chão outra vez na hora de entregar o ingresso, passagem do mundo da realidade para a ficção.
            Tinha os filmes de bang-bang, de guerra, de terror, de humor, de amor, de ficção científica, de cangaceiros, de Tarzan, de Zorro, de Bruce Lee, Roberto Carlos, Mazaroppi. Tinha Gringo (Giuliano Gemma), Django (Franco Nero), Sartana (Klaus Kinski), Pecos ("Pecos, my name is Pecos!", dizia o justiceiro que eu não lembro quem interpretava, antes de matar os facínoras que o ameaçavam).
            Teve "Dio Come ti Amo", com todos aos prantos, na hora em que tocava a música-tema homônima, e a mocinha - cantora e atriz Gigliolla Cinquetti -, depois de mil e uma desventuras, dava um longo beijo na boca do seu amado, com quem viveria, a partir dali, feliz para sempre.
            Teve "O Candelabro Italiano" e "A Mulher do Rio", com Sophia Loren fazendo todo mundo cair num choro desesperado no momento em que ela saía do rio com o filhinho morto afogado nos braços. "A Mulher do Rio", aliás, foi um dos filmes trazidos pela Jaguar, empresa que passava pela região levando películas que eram anunciadas como Filmes de Arte. Eram fitas que lotavam o cinema, chegando ao ponto de exigirem sessões extras, no dia, ou novas exibições, nos dias seguintes: como a cidade era pequena, na época, a cada dia se exibia um filme diferente.
            Primeiro, o Cine Canecão funcionou num imenso barracão de madeira, todo preto, na rampa, à beira do Rio Mearim. Lá, eu vi, entre outras preciosidades, o seriado "Flash Gordon no Planeta Mongo", hoje considerado um clássico-cult da ficção científica. Lá eu vi muitos filmes, inclusive um com Brigitte Bardot, no auge da beleza - deste, não lembro praticamente nada, a não ser da bela imagem de Brigitte e da sua boca fantástica, com aqueles lábios maravilhosos.
            Depois, o cinema mudou-se para uma das ruas que circundam a Praça Melo Uchôa, passando a funcionar no prédio em que, mais tarde, instalou-se o Banco Bradesco e que atualmente abriga o Armazém Alagoano.
            E é aí que entra na história a Maria do Carmo Bezerra de Sousa, ou, simplesmente, a "Maria da Rosa" ou, mais adequada e perfeitamente "MARIA DO CANECÃO" (com grifo e todas as letras maiúsculas mesmo, porque é um nome perfeito para brilhar num iluminado letreiro de cinema).
            O ano era 1976, o país ainda vivia os anos de chumbo da ditadura militar, quando Maria - que nasceu há 62 anos no então povoado de Jenipapo dos Resplandes (hoje o município Fernando Falcão) - foi convidada pela Graça, esposa do Ivan, para trabalhar como porteira-bilheteira do cine que o casal mantinha em Barra do Corda.
            Durante três anos, até 1979, quando o cinema acabou, com a chegada da televisão ao sertão, Maria foi a grande estrela do Cine Canecão. "Para mim, foi como se fossem os Anos Dourados", diz, referindo-se ao período em que trabalhou no cinema, durante a conversa que mantivemos em sua casa, na Tresidela, na tarde de terça-feira do Carnaval de 2006.
            Para mim, ela sempre teve rosto, expressão de atriz dramática, ainda mais que, na época, fumava bastante (hoje já não fuma mais, é claro), o que lhe conferia um tom ainda mais teatral-cinematográfico.
            Dos Anos Dourados, como bem os define, MARIA DO CANECÃO guardou inúmeras amizades, entre elas a que mantém com este humilde escriba e com a grande intelectual Luciana Martins, que lhe enviou um forte abraço, através de mim, quando soube que com ela eu iria me encontrar.
            E foi assim que eu e a Maria lembramos a exibição de "O Exorcista", primeiro lançamento mundial quase simultâneo, que não demorou muito a chegar no Cine Canecão, para pavor da cidade e de todos os seus arredores. Um filme rigorosamente proibido para menores de 18 anos que eu consegui assistir, junto com a minha irmã e um primo, depois de convencermos a mamãe de que já havíamos lido tudo sobre a terrível fita e que já a conhecíamos praticamente de cor, cena a cena, de tanto que o filme estava sendo comentado em tudo quanto é de revista, de tudo quanto é  lugar.
            O certo é que eu, minha irmã e minha prima entramos pela porta de trás, e ficamos meio que escondidinhos logo nas primeiras filas. Tudo, é claro, com a discretíssima anuência da nossa querida Maria, a Maria do Cine Canecão.
            E era pra Maria que os moleques e as molecas sem dinheiro pra pagar o ingresso pediam, imploravam: “Maria, deixa eu entrar... Maria, deixa eu entrar”. Mas ela estava ali trabalhando e tinha que obedecer às ordens. De vez em quando, óbvio, o coração amolecia e ela deixava algum entrar.  Noutras, ela fingia que não via o moleque “varar”. E noutras, ainda, caía de “cascudos” naquele que tentava entrar sem pagar.
            E se quiserem fazer a Maria chorar de saudade – a Maria, que é uma pessoa muito feliz -, se quiserem fazer a Maria chorar de saudade, lembrando dos áureos tempos, não vacilem, não tenham dúvidas: é só colocar pra tocar a música-tema do clássico faroeste “Django”, que abria e encerrava o serviço de alto-falante do inesquecível Cine Canecão.
            A mesma música que milhares de vezes me fez sair correndo de casa, depois de interromper às pressas uma brincadeira, para esquecer por algumas horas a realidade e mergulhar de “pontiada” no fantástico mundo do cinema, da magia, da ilusão, da ficção...


*Jorge Abreu é jornalista e mora em São Luís do Maranhão
jorgepaula2003@ig.com.br

 

 

Crônica de Jorge Abreu

Os contos da nossa melhor infância
jornal Turma da Barra


*Jorge Abreu


            Era a melhor de todas as infâncias que haviam vivido. O tempo das decepções e das mágoas havia sido levado pelas águas claras e frias dos rios e um novo horizonte podia ser vislumbrado de dentro de si mesmos.
            Porque a hora era de observar a imponência e a aparente fragilidade das rosas e das flores, absorver, de cada uma, o, às vezes, indescritível, quase sempre inebriante perfume. Os espinhos ficaram para trás...
            A experiência deixara de ser apenas um sonho, um ideal a colimar. Tornara-se concreta, palpável, mas tinha o peso de uma pluma lançada pelos lábios do anjo torto do morro sagrado, que ensina aos transeuntes o caminho para o pote de ouro do arco-íris.
            O que pode ser definido como verdade? Dúvidas, angústias, questionamentos perderam a importância, depois de tantas noites de sono perdidas cumprindo a difícil tarefa de aliviar dores, curar doenças, consolar enfermos, trazer vidas ao mundo e, ao mesmo tempo, lutar contra a morte, sempre o maior mistério, o maior desafio.
            Nos corações, os frutos amadureceram. Nada do medo que pudesse vir por detrás das cortinas, quando as luzes se apagavam anunciando tragédias, desencontros, partidas, idas e vindas, traições. Embates entre a utopia da mais desejada liberdade e os obstáculos que devoram planos, esmagam metas, sufocam sonhos.
            Brincar com palavras... A esta altura, podiam fazê-lo à vontade. Porque queriam respostas, e não perguntas, porque detinham a fórmula secreta da aprendizagem do amor. O passado tornara-se transparente como o céu em dia de esplendor solar.  E com a sabedoria de antanho conquistaram  a destreza e agilidade que permitem a travessia dos anos com a calma dos pássaros que passeiam sobre o silêncio da mata, sob o luar do sertão.
            O presente...O presente é manter os pés no chão, a continuar dizendo não à faca cega da violência, à crueza da fome, à escuridão da guerra, aos gritos desumanos dos humanos surpreendidos com as surpresas do universo. Quanto ao futuro, não causava mais preocupação. Confundia-se com o presente, em etéreos momentos, que não voltam jamais. Desenhava-se sinônimo do passado, em outros fugazes segundos, mas sempre apontando para o novo, o incerto, o desconhecido.
            Lúcidos e serenos, tinham plena consciência de que a caminhada ainda era longa, mas os trechos,os mais belos das páginas da vida. E assim, vivendo a melhor de todas as infâncias que já haviam vivido,prosseguiriam contando contos e histórias, sentados sob altaneiras árvores por eles plantadas; falando de fadas, gnomos e duendes; narrando fábulas sobre princesas e bruxas, histórias de heróis e vilões.
            Sorridentes e felizes, ensinariam parábolas e lições de fé e paixão.Transmitiriam mensagens de paz, harmonia e fraternidade. Levantariam a bandeira da igualdade e da justiça. E amariam com um ardor cada vez maior cada milésimo, cada décimo de segundo do dadivoso milagre que lhes fora dado pelo grande mentor-arquiteto da imensidão que surgiu do nada, da mais silenciosa de todas as explosões.

Para José de Abreu Silva e Raimunda de Paula Silva

Jorge Abreu é jornalista
(jorgepaula2003@ig.com.br)

 

 

 

Artigo

Para: Barra do Corda
De: Jorge Abreu

jornal Turma da Barra





            A cidade expõe-se ao mundo, para que todos saibam das suas origens e essências, de onde vieram os índios e os desbravadores que um dia ali aportaram, num rio cheio de cipós semelhantes a cordas.

            É bela. De uma beleza que emociona e desperta desejo de fincar-desenterrar raízes, plantar sementes de saborosos frutos, cultivar as árvores do amor e da amizade, por todos os séculos e séculos e séculos, amém!

           
É doce, com os seus imensos espelhos d’água e a densa mata a penetrar a pele como o calor do sol, a claridade da lua. E a cidade dorme e acorda sonhando o sonho mais lindo de um futuro em paz – numa era, foi mar, noutra, vulcão!

            No momento, ela cresce - na verdade já faz um tempo que expande-se rumo ao desconhecido, ao incerto - e os que sabem da sua verdadeira história não podem abandonar a utopia da igualdade, ainda que para isso tenhamos que deixar - em cada uma de suas esquinas e quintais – um pouco de nós, de nossos espíritos e almas.

            E o progresso aumenta a face obscura da miséria, a crueza da fome, a dor da violência. Faz emergir o outro lado da realidade, o pesadelo que sufoca a fantasia, e traz a consciência da precisão de mudança e a necessidade urgente da transformação.

            Até por isso, a cidade pulsa. No morro sagrado, na torre da igreja matriz, nas flores da praça, à beira dos rios, nos parreirais de uvas, nos canaviais, nas plantações de arroz e soja, a cidade ainda respira - apesar do assassínio dos povos primitivos e da derrubada voraz das florestas; da expulsão do povo do campo e da inevitável partida dos mais antigos para o reino dos céus. Apesar das tentativas de calar pra sempre os que denunciam o massacre dos inocentes, o novo holocausto de toda esta gente, que é forte e resiste, que é forte e insiste em remar contra a correnteza, ainda que não saiba nadar.

            Mesmo assim, a cidade permanece. Quem a conhece, se não fica de vez, volta, nem que seja em pensamentos retorna, e passa a viver outra vida. Porque todos os caminhos sempre levam a ti, amor da minha vida! Todas as estradas, trilhas, atalhos e veredas vão dar no teu róseo coração, no teu peito cheio de poesia, no aroma da tua terra, na magia que te fez princesa do sertão!


*Jorge Abreu é jornalista, mora em São Luís