Reportagem
A Punga de 13 de maio de 2011
jornal Turma da Barra


Imagem das senhoras que dançam a Punga
em Barra do Corda (MA)

A festa da Punga fez sua noite de despedida na noite desta sexta 13. 
Uma noite de gala, com a coroação da nova rainha da Punga, que agora é ostentada por Ana Maria,
 coroa que já passou pela Isaura e a Izabelona. 
Fato a lamentar no espaço da Punga é que foram disparados tiros, tarde da noite, num dos trailers,
 uma pessoa veio a morrer no hospital. 
Leia o relato de Álvaro Braga, 
que conta também a história da Punga em Barra do Corda

por Álvaro Braga 


            Aconteceu na noite desta sexta-feira, 13 de maio de 2011, de forma apoteótica, a apresentação de encerramento da 63ª edição da Punga de Barra do Corda no Paço do Caic na Altamira, mesmo local onde havia o campo do Cruzeirão, batizado de estádio Ariosvaldo Cruz, de muitas saudades.
            Houve naquela arena dois acontecimentos dignos de nota: a mudança da rainha da Punga, depois de dezenas de anos. A lamentar o registro de uma morte a tiros, em um bar do local, já tarde da noite.
            Devido a problemas de saúde a rainha Isaura não pode participar nem comparecer e a coroa de nova rainha passou a ostentar à fronte de dona Ana Maria, que recebeu das mãos da secretária Tâmara Pinto aquele símbolo das tradições negras.
            No período de 1º a 13 de maio os presentes puderam apreciar as danças afro-brasileiras recheadas de simbolismos à libertação dos escravos, sempre acompanhadas de tambores esquentados na fogueira, com todos os componentes dançando ao redor de um tronco de madeira.
            Além de Isaura, também se notou a ausência de Ana Maria Araújo, a Ernestina, que este ano não pode fazer o par com a atual rainha.
            Destacamos o brilhante trabalho cenográfico e decorativo da equipe da Cultura do município que não poupou esforços para abrilhantar a festa desse ano.
            Nossa homenagem a cada um dos membros da Punga, que a cada ano fortalecem ainda mais nossas tradições populares, a seguir:
            As senhoras Maria Reis, Maria de Fátima, Maria de Lourdes, Maria José, Teresinha, Júlia Carolina, Ana Maria (nova Rainha), Maria Anália, Iraneide, Raimunda Nonata, Isaura Medeiros (ausente), Maria Angilauda, Ernestina (ausente), Maria da Penha, Conceição, Rosenir, Olinda.
            E os senhores: Jesus Inácio, Raimundo José, Adão Vitorino, Adão Domingos, Mestre Adão, Pedro da Silva. Homenageamos João da Irinéia (in memorian) e Francisco da Silva que não mais participa.
            Ao iniciar a dança para valer, veio a descontração e a alegria, ao passo que a “umbigada” rolava solta na mais completa tradição da Punga, ao som do forte tambor do Mestre Adão.
            Registramos no local a presença só Sr. Severino Pote de 77 anos, que assiste a Punga na Altamira há muito tempo e faz questão de registrar sua emoção:
            “Assisto a Punga aqui na Altamira desde 1981. Naquele tempo a Isaura tinha chegado de Codó e pungava bem mas ainda era acanhada. Ela agora tá velha e não aguenta mais o rojão. Tinha a Maria Coqueirão, mãe do Zezão estivador que já morreu, que saracoteava muito.
            Dava gosto ver a Izabelona dançando bem ali onde tinha a trave de baixo do campo do Cruzeirão. Quem fazia o papel da Princesa Isabel naquele tempo era a Ana. Ele canta baixinho:
            “Prende eu Zabé
            Prende eu Zabé”
            O pessoal juntava dinheiro para comprar brindes para colocar em cima de um pau de sebo que era cortado antes da festa e melado todo de sebo de gado para ficar liso. Era a maior folia e algazarra. O pessoal querendo subir para ganhar o prêmio e escorregava, todo mundo mangava, tudo ao som do tambor. Só ganhava a prenda quem chegava lá no topo.”
            Naqueles anos oitenta todos lembram da toada:
            “Italiana é uma abêia verdadeira,
            Mora no mato
            Mora no mato”
            A Punga foi criada em 1948 pelo Mororó, Othon Mororó Milhomem, que festeiro como ele só, escutou a ideia de Palmério Branco e Ranulfo para se fazer aquela festa que era comum em Codó. Ranulfo era de Coroatá, onde também sabia detalhes da brincadeira.
            Barra do Corda naquele tempo era pequena, aconchegante, quase uma só família. Todas as pessoas frequentavam os mesmos lugares. Prevalecia a amizade, o companheirismo, e a Punga veio despertar a alegria de todos com a irreverencia típica da dança, em uma época em que não havia grande oferta de folguedos.
            A primeira rainha da Punga, a Nêga Teixeira, foi coroada ali em um velho galpão de palha, onde anos atrás o Mororó havia criado uma feira, na esquina da rua da Areia (Coelho Neto) com a rua da Baixa Fria (Fortunato Fialho).
            Mororó e Ranulfo colocaram a Rainha em um jeep de Pedro Cândido da Silva, vulgo Caixa D'água e saíram a desfilar pela cidade em apoteose. Foi um sucesso a Punga naquele local, mas três anos depois foi encerrada por uns tempos.
            Pela rancharia do Mororó, ao redor dos quartinhos e cabarés que haviam por ali, ficava apinhado de gente que vinha dançar alegremente a dança da Punga.
            A Teixeira entoando sua cantiga mais famosa contagiava a todos:
            “Minha fia o que é que vai fazê?
            Eu vim aqui minha comadre faze
            Pedir a sua cachorrinha pra que?
            Pra botar no boi canela
            Chama ela
            Eu não sei do nome dela
            Franela aqui
            Aqui franela
            Franela aqui
            Aqui franela”.
            A mesma Teixeira, que reinou muitos anos na Punga, era a mãe de criação do Juarez Santos e era ex-escrava, que morreu em 1978 aos 116 anos. Foi imortalizada nos versos do poeta Olímpio Cruz, que apreciando a dança da Punga, registrou assim para a posteridade:
           
“Quando era 13 de Maio / Que tinha a dança da Punga / Antõe Bode e João Calunga / Incomodava as batáia / Vinha os cabras do Narú / E a Nêga Maria Pacu / Que vento enchia a saia... / E a Nêga Véia Teixeira / Muito idosa, cum cem ano / Vestida de sete pano / Sentada na pagodeira / Tinha os óio cheio dágua / Cacimba que num secou / Num sei de sodade ou mágoa / Dos tempos que já passou!...
            A partir de meados dos anos oitenta, com a influencia da chegada de membros de origem afro, provenientes da região de Bacabal, a dança da Punga sofreria radicais mudanças em sua estrutura, com a mesma evoluindo de uma toada dolente e sincopada para uma batida mais forte e ritmada Ttípicas do candomblé.
            Com o passar dos anos a Punga foi mudando de local. Do Mororó passou para o local onde está hoje a Praça da Rodoviária, depois houve as barracas de palha na Cibrazem, no campo do Cruzeirão, na dona Maria José na Santa Bárbara/Belo Horizonte, no local do atual Espaço Cultural na Tresidela e agora no Caic.
            Como ponto alto antes da coroação da Punga, foi lido por José Filho um texto onde é descrita toda a luta dos negros por sua libertação e um passeio pela história do Brasil, onde foram enunciadas as leis Saraiva-Cotegipe, mais conhecida como lei dos Sexagenários e a Lei do Ventre-Livre.
            Em seguida houve a dramatização da assinatura da Lei Áurea, por uma jovem que representava a Princesa Isabel, que declarou solenemente:
            “Declaro extinta a escravidão no Brasil.
            Revoguem-se as disposições em contrário.”
            Após a dança da Punga, a bonita noite cultural e festiva prosseguiu com a apresentação do grupo de danças folclóricas Companhia de Espetáculos Brilho da Barra, que, sob o comando de Durães, promoveu danças como Tambor de Mina, Tambor de Crioula, Dança do Cacuriá, Bolero com componentes negros e alusões ao Bumba-meu-boi.

*Álvaro Braga é pesquisador, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Barra do Corda

 

 


Foto do fundador da Punga: Othon Mororó Milhomem
Acervo da filha Nelita Milhomem

 

(TB14mai2011)