Crônica
Nono episódio ribeirinho
jornal Turma da Barra

 

"Fizemos várias viagens para Pindaré, em uma delas já de volta, o mestre Guilherme que só andava com um litro de pinga na casa de leme (local de trabalho), naturalmente estava bêbado e já estava escurecendo, ele afundiou no lugar errado"

*Wilson Leite

            Na segunda vez que levamos a lancha Veneza para a reforma em Arari, por lá permanecemos um bom tempo fazendo frete de Arari para Pindaré Mirim e também de Arari para Lago Açu.
            Dessa vez levamos um batelão também para concerto. Ao terminar o concerto das embarcações, apareceram esses lucrativos fretes. Para essa temporada tivemos que contratar outro mestre em Arari que conhecia o movimento das marés, e também os afundiadores, ou seja, os locais profundo onde se parava para esperar a maré encher.
            No lugar conhecido como boca do rio, onde o rio Pindaré desemboca no Mearim, as embarcações só passam com a maré cheia, portanto só se levanta a âncora depois que a pororoca passa.
            Fizemos várias viagens para Pindaré, em uma delas já de volta, o mestre Guilherme que só andava com um litro de pinga na casa de leme (local de trabalho), naturalmente estava bêbado e já estava escurecendo, ele afundiou no lugar errado.
            Quando por volta de 9 horas da noite escutamos o ronco da maré, daí a uns vinte minutos chegou a primeira tromba d’água e pegou a lancha e batelão atirando-os em cima da ribanceira na altura de uns cinco metros, a tromba d’água jogou lá encima e foi embora, e pra descer as embarcações  tiveram que escorregando na lama até em baixo, foi só o tempo de chegar os três cavaleiros, que são três ondas gigante uma atrás da outra após a primeira tromba que vem arregaçando o rio de baixo para cima.
            A meu irmão, esses tais três cavaleiros fizeram o maior rebuliço com essas embarcações, a casa do batelão caiu, fomos desatar redes de mergulho foi um Deus nos acuda.
            Tivemos que passar a noite porque quando terminamos de arrumar as coisas à maré já estava baixando não dava mais pra sair. Quando o dia amanheceu, o ordinário do seu Guilherme tomou tendência e olhou para o tempo e disse: - Olha rapaz eu errei, o afundiador é bem ali na frente, isso não dava cem metros de distancia.
            Por volta de oito horas da manhã escutamos novamente o ronco da maré, nesse trecho o rio fazia um grande estirão, eu subi pra ribanceira fiquei olhando, realmente é muito bonito de se ver, a tromba d’água voltando o rio, e as três ondas imensas um pouco, mas atrás, foi quando eu tive a curiosidade de olhar, como a gente já estava no lugar certo, à água só fez inchar, e lá donde saímos foi o maior reboliço. Reviver o passado, pra mim é muito salutar.

*Wilson Ferreira Leite é historiador, mora em São Luís Gonzaga (MA)

(TB21mai2014 /nº51)

 

Crônica
Oitavo episódio ribeirinho
jornal Turma da Barra

 

"Quando foi de manhã alguém perguntou seu João e o patromax? Ele respondeu, Sim senhor, o bichinho é muito bonzinho mas não quis apagar, foi obrigado eu dá um mergulho nele no rio, e o miserável ainda apagado passou o resto da noite fungando ai no canto"

*Wilson Leite

            Irei contar mais algumas piquetas (lorotas) algumas que vivenciei e outras que ouvi contar, de personagens ribeirinhas onde muitos levantaram seus recursos e deixaram seus  legados e suas histórias.
            Como já falei antes, mas, não faz mal repetir, Manoel Piauilino como farmacêutico prático em Palmeiral com sua farmácia foi um polivalente na área da saúde salvou muitas vidas dos pobres ribeirinhos as resgatando das garras da sezão ou impaludismo que naquele tempo ainda era bravo.
            Essa eu ouvi contar, certo camarada foi vender um petromax para seu João Ângelo, o cara muito vivo, deixou pra ir já escurecendo, que era pra acendeu o bicho e clarear tudo pro velho se animar, não deu outra, seu João gostou muito e por fim comprou o petromax.
            Realmente o aparelho era dos bons, o camarada levou o bojo do bicho cheio de querosene, e deu bastante  bombadas no bicho, e recebeu o pagamento e foi embora deixando o petromax aceso naturalmente pensando que seu João saberia apagar e não explicou nada no sentido de como apagar o aparelho na hora de  ir dormir.
            Os vizinhas que vieram admirar a novidade, já haviam se retirado  pois já era tarde, e seu João já esperando o tal petromax apagar, já cambando pra meia noite e nada, foi quando ele se aborreceu perdeu a calma, e disse pra si mesmo: - Sim Senhor, você apaga já, pendurou o bicho na mão e o conduziu até à beira do rio que era bem pertinho e lá deu um mergulho no petromax... Apagou imediatamente e o levou pra casa.
            Quando foi de manhã alguém perguntou seu João e o patromax? Ele respondeu, Sim senhor, o bichinho é muito bonzinho mas não quis apagar, foi obrigado eu dá um mergulho nele no rio, e o miserável ainda apagado passou o resto da noite fungando ai no canto.
            No povoado Cajueiro, que também não era tão pequeno, havia até uma filial dos irmãos Queiroz, lá morava um cidadão de nome Antonio Cajá, muito afamado por ser o melhor feitor de canoa da região, e muito mais afamado ainda por ser o homem mais bruto e ignorante de todo médio Mearim naquela época.
            Entre tantas ignorâncias desse moço, conta-se que ele ia caminhado por um estrada e deu uma topada num toco, e saiu catando mamona cai, não cai, mas quando se aprumou sacou de revólver e detonou de tiros no inocente toco, e ainda saiu danado xingando.

*Wilson Ferreira Leite é historiador, mora em São Luís Gonzaga (MA)

(TB7mai2014 /nº50)

 

Crônica
Sétimo episódio ribeirinho
jornal Turma da Barra

 

"A capacidade de carga de nossa lancha era de dezoito toneladas, e quando agente ia para Arari, a mercadoria que levávamos era a pura pedra de amolar. Essas pedras eram todas retiradas ai nas imediações do Talhado Grande"

*Wilson Leite

            Por volta dos anos 50 e 60, os poucos caminhões que existiam por estas  redondezas, quando necessitavam de uma boa reforma, seu proprietário teria que levá-lo a Campina Grande, na Paraíba, de lá o caminhão voltava seminovo.
            Já no caso das embarcações, seu proprietário teria que levar para Arari, que também a embarcação que fosse, voltava seminova.
            No longo período que trabalhei na lancha Veneza, ainda fomos duas vezes fazer estas necessárias reformas.
            A capacidade de carga de nossa lancha era de dezoito toneladas, e quando agente ia para Arari, a mercadoria que levávamos era a pura pedra de amolar. Essas pedras eram todas retiradas ai nas imediações do Talhado Grande. A gente começava vender pedras, do Ipixuna até Arari. Com o dinheiro da venda das pedras, dava quase para pagar a reforma da lancha.
            Naquele tempo de Bacabal pra baixo, o rio ainda era um tanto selvagem, constantemente se via bando de capivaras, bando imenso de ciganas, ave parecida com jacu, jacaré na beira d’água que não dava pra contar.
            Na primeira viagem fiquei muita encantado, principalmente com o movimento da maré que nunca tinha visto.
            Naquele tempo, o falar até a cultura do arariense, era completamente diferente do falar e também da cultura do sertão.
            Lembro-me de uma vez que chegamos na rampa de Vitória do Mearim, o dia vinha acabado de amanhecer eu vinha de plantão, encostamos parei o motor e sai de rampa acima até uma praça, ainda não havia ninguém na rua, algo me chamou a atenção, todas as portas fechadas e em cada porta havia uma sacola branquinha pendurada em um prego com algo dentro, como não havia ninguém na rua fui matar a curiosidade, abri a sacola e vi, era pão ainda quentinho, fiquei admirado porque não conhecia aquele costume.

*Wilson Ferreira Leite é historiador, mora em São Luís Gonzaga (MA)

(TB29abr2014/nº49)

 

Crônica
Sexto episódio ribeirinho
jornal Turma da Barra

 

"Lembro como se fosse hoje. Quando ele [João Ângelo] viu o estrago refletiu um pouco e decidiu falar até com certa moderação. - Sim senhor, aproveitaram da ocasião covarda (covarde) e carregaram quase todas as minhas bananas, vou levar o resto que deixaram."

*Wilson Leite

            Vou relacionar alguns dos principais portos de embarque e desembarque de mercadorias ao l
ongo do rio Mearim de Pedreiras a Barra do Corda dos anos 60.
            A começar pelo porto do Barracão ou Bom Lugar, que além de ser um povoado grande havia até loja de tecidos, atendia também os comerciantes de Joselandia lugar que é afastado do rio.
            Porto do Palmeiral, também povoado grande com vários tipos de comércios, atendendo os comerciantes de Esperantinópolis, muitos davam preferência ao porto do Verdum.
            Furo da Pipa, porto que atendia os comerciantes de São Roberto e São Raimundo do Doca Bezerra, isso sem falar nas dezenas e mais dezenas de passageiros.
            Santa Vitória, Monte Castelo, Ipiranga eram maravilhas de povoados. Um dos portos que eu mais gostava, era o porto do Axixá do seu João Ângelo, porque antes da lancha parar direito eu já estava encima de um pé de pitanga que havia em seu quintal, e também outras frutas.
            Lembro-me de uma dessas vezes, que seu João encheu o convés da lancha de cachos e mais cachos de bananas, só bananas fabulosas, banana prata, roxa, casada, enfim, eram muitas bananas e todas já amadurecendo muitas já davam para comer, seu João também subiu junto na viagem, mas entre um descuido e outro a gente ia lá nas bananas do velho.
            O certo é que chegamos na rampa de Barra, uma hora da manhã, e todos os passageiros foram pra suas casas, inclusive João Ângelo. Quando as negradas da lancha se acharam à vontade e com o cheiro das bananas convidando, fizeram uma grande farra que ficou visível o estrago.
            Quando foi por volta das oito horas da manhã, lá vem seu João na frente e seu trabalhador atrás com um carro de mão para transportar a mercadoria. Quando eu o vi entrando na lancha, desci para a sala de máquina e com uma estopa na mão, fingi que estava limpando o motor, porém de antena ligada.
            Lembro como se fosse hoje. Quando ele viu o estrago refletiu um pouco e decidiu falar até com certa moderação. - Sim senhor, aproveitaram da ocasião covarda (covarde) e carregaram quase todas as minhas bananas, vou levar o resto que deixaram.
            Velhas lembranças, embora existido um pouco de desvio de caráter, mas vale à pena lembrar.


*Wilson Ferreira Leite é historiador, mora em São Luís Gonzaga (MA)

(TB23abr2014/nº48)

 

Crônica
O pilador de arroz de seu Marciano
jornal Turma da Barra

 

"Ainda garoto levei inúmaras vezes arroz em casca para ser pilado no motor de seu Marciano. Lembro-me que ele tinha uma boa clientela, o processo era o seguinte. Exemplo, você levava 90 quilos de arroz em casca e recebia 60 pilado, e pagava a pilagem ou descontava no próprio arroz"

*Wilson Leite

           
Antes quero agradecer ao Sergio Augusto pelo elogio a esse modesto saudosista barra-cordense. Entretanto quando eu conheci seu Marciano, ele já não possuía mais lancha, e sim um pilador de arroz localizado entre a casa do Bizeca e onde é hoje a Câmara Municipal.
            Ainda garoto levei inúmaras vezes arroz em casca para ser pilado no motor de seu Marciano. Lembro-me que ele tinha uma boa clientela, o processo era o seguinte. Exemplo, você levava 90 quilos de arroz em casca e recebia 60 pilado, e pagava a pilagem ou descontava no próprio arroz.
            Sergio, por incrível que pareça, já fazia tempo que eu vinha querendo falar alguma coisa sobre o pilador de arroz de seu Marciano, e justamente para falar de uma das vezes que eu lá estava, e ele Marciano nesse momento, tratava de negócio com o senhor Ardaleão Pires, terminada a negociação que era na calçada, Marciano entra, e Ardaleão que era  bastante extrovertido, ficou proseando com uma turma de jovens que ali se encontrava naturalmente estudantes.
            Foi quando ele Ardaleão perguntou pra quem soubesse responder. O que é notívagos?  Deu tempo para a turma refletir, o certo é que ninguém soube responder.
            Ai ele foi explicar, nesse dia eu aprendi e nunca mais esqueci. Notívagos são os animais de hábitos noturnos, ou seja, vagam nas noites. Saudáveis recordações.

*Wilson Ferreira Leite é historiador, mora em São Luís Gonzaga (MA)

(TB16abr2014/nº47)

 

Crônica
Quinto episódio ribeirinho
jornal Turma da Barra

 

'Chegamos em Palmeiral num domingo pela manhã dia de feira, dentro do mercado e seus arredores muita gente. Mestre Dom Rato lá da lancha olhou a multidão de gente e então fez seus planos, e chamou meu irmão que também gostava de presepadas.

*Wilson Leite

            Tomo a liberdade para começar esse texto falando de Dom Rato, que foi um dos boêmios da sociedade cordina dos anos 50 e 60.
            Foi um exímio pé de valsa, não perdia uma tertúlia dançante que costumava acontecer nas casas de seu Acrísio, do seu Mica, Manuel Ferreira, e outros mais.
            Dom Rato era boa praça mantinha amizade com todo mundo, entretanto também tinha seus momentos de suas estripulias e peripeças.
            E por conta de sua amizade com os embarcadiços, certa vez pegou uma carona de ida e volta a Pedreiras, tão somente para ir proseando com a turma ouvindo e contando lorotas.
            Chegamos em Palmeiral num domingo pela manhã dia de feira, dentro do mercado e seus arredores muita gente. Mestre Dom Rato lá da lancha olhou a multidão de gente e então fez seus planos, e chamou meu irmão que também gostava de presepadas.
            Don Rato disse, olha Juarez, aqui ninguém me conhece, portanto  vamos levantar ai na feira um dinheiro para nós tomar umas pingas.
            Juarez falou, como assim?
            Eu tenho esses óculos escuros ponho na cara e tu arranja um cabo de vassoura e sai me puxando no meio do povo e deixa o resto comigo.
            Juarez topou a parada e lá se foi puxando o ceguinho de H, no meio do povo. Juarez era bastante conhecido, ai alguém falava, e ai Juarez mudou de profissão? E ele dizia, não estou apenas praticando uma boa ação, outro mais desabrido já dizia, e ai Juarez tu agora tá puxando é no pau do cego?
            E lá vão eles, esmola pro ceguinho, esmola pro ceguinho, daí a pouco já estavam com os bolsos bem pesados de cédulas e moedas.
            Dai decidiram procurar um boteco e tome pinga no buraco da cara. Isso é claro, sem tirar os óculos. Foi quando encostou um cara e disse pro colega, olha rapaz o diabo do cego quer esmola é para beber cachaça, e Dom Rato prontamente respondeu, olha rapaz eu sou cego é dos olhos e não da boca.
            O certo é que tomaram pinga até na hora da lancha zarpar, e ainda levaram dinheiro que terminaram de gastar em Pedreiras na rua da Golada.
            Doces recordações.

*Wilson Ferreira Leite é historiador, mora em São Luís Gonzaga (MA)

(TB9abr2014/nº46)

 

Crônica
Quarto episódio ribeirinho
jornal Turma da Barra

 

'Lembro-me de um acidente que ocorreu nessa época que foi na lancha de nome Havana da empresa de navegação de propriedade dos irmãos Pacheco, que vitimou uma garotinha filha de Manuel Piauilino, e neta do senhor João Ângelo'

*Wilson Leite

            Realmente essas viagens de lancha subindo e descendo o rio Mearim da Barra a Pedreiras, nos 60 como já foi dito em textos anteriores, eram viagens animadas e confortáveis.
            Entretanto, havia também seus momentos de apuros. Exemplo, no período das enchentes as águas se tornavam revoltas, valentes, e por vezes por mais que o motor da lancha fosse potente, mas em algumas curvas a embarcação era empurrada nas galhadas, que geralmente nessas galhadas sempre havia comunidade de marimbondo e às vezes até caia no convés a própria casa dos marimbondos.
            Aí era sufoco, o jeito era encarar os bichos, passageiros se enrolavam nas redes, outros iam com eles no tapa mesmo, e quando passava o sufoco estava quase todo mundo choramingado e ferroados. Isso acontecia mais no inverno.
            No verão as águas baixavam, ai aparecia os bancos de areia (crôas), ou seja, as vezes o rio mudava de canal e o prático se enganava e escanchava a lancha encima duma crôa, ai era outra coisa ruim porque até os passageiros tinham que cair na água para ajudar a desencalhar a embarcação, as vezes  passávamos meio dia lutando.
            Lembro-me de um acidente que ocorreu nessa época que foi na lancha de nome Havana da empresa de navegação de propriedade dos irmãos Pacheco, que vitimou uma garotinha filha de Manuel Piauilino, e neta do senhor João Ângelo.
            Nesse malfadado acidente a pequena garota perdeu por completo um de seus bracinhos, felizmente escapou com vida. Tenho vontade de ter notícia dessa pessoa que eu ainda vi muitas vezes já recuperada e bem grandinha e graciosa indo para a igreja aos domingos muito bem prontinha, naturalmente hoje é uma senhora.
            Quantas saudades!...

*Wilson Ferreira Leite é historiador, mora em São Luís Gonzaga (MA)

(TB2abr2014/nº45)

 

Crônica
Terceiro episódio ribeirinho
jornal Turma da Barra

 

'Perdigão logo fazia sua vistoria, e geralmente em quase todos esses comércios já tinha geladeira a querosene, ai então eles só desciam pra lancha quando tomavam a ultima cerveja, e assim foi até Pedreiras, viagem de três dias fizemos em oito, entretanto foi uma viagem inesquecíve'

*Wilson Leite

            Trafegando no rio Mearim dos anos 60 da Barra a Pedreiras, às vezes se transportavam passageiros importantes. Ao longo desse trajeto haviam muitos povoados com grandes comércios, algumas lojas de tecidos, até farmácias, a saber Manuel Piauilino, que era  genro do senhor João Ângelo, era proprietário de uma grande farmácia no povoado Palmeiral, sem esquecer que ele era o Machadinho lá da região, ou seja, o polivalente da saúde.
            Já em São Jose das Canas, atual Joselândia, Zeca Pitiba, que era irmão de Benedito Pitiba, às vezes dava também esse expediente na saúde. Era aquela coisa, na terra de cego quem tem o olho é rei.
            Falando em passageiro importante, uma vez embarcou na Barra o coletor federal para fazer uma vistoria na documentação dos comerciantes ribeirinhos. Essa pessoa que realmente era importante era Idaspe Perdigão. Parava-se no porto, ele subia com sua pasta na mão juntamente com Raimundo Queiroz, proprietário da lancha.
            Perdigão logo fazia sua vistoria, e geralmente em quase todos esses comércios já tinha geladeira a querosene, ai então eles só desciam pra lancha quando tomavam a ultima cerveja, e assim foi até Pedreiras, viagem de três dias fizemos em oito, entretanto foi uma viagem inesquecível.
            Quero terminar esta humilde crônica enviando um forte abraço pra todos meus conterrâneos que leem estas simples memórias que escrevo, em especial para meu conterrâneo Domingo Capistrano, que mora em Cabo Frio, Rio de Janeiro, destacando também o meu amigo Borginho e família, lá em Porto Velho, Rondônia. Como esse espaço é salutar.

*Wilson Ferreira Leite é historiador, mora em São Luís Gonzaga (MA)

(TB26mar2014/nº44)

 

Crônica
Histórias ribeirinhas
jornal Turma da Barra

 

'Uma viagem da Barra a Pedreiras, ou vice-versa, era muito legal, um tanto vagarosa, mas cômoda, armava-se a rede e dormia ao som do motor, meio-dia saia o almoço e a tardinha o jantar.
            Normalmente levava três dias de descida e quatro de subida, incluindo as noites.'

*Wilson Leite

            Eu tive o prazer de alcançar o rio Mearim em todo seu vigor, com suas inúmeras embarcações, subindo e descendo a transportar passageiros e mercadorias de toda sorte. Enfim, transportando o progresso da região.
            Como também tive o desprazer de acompanhar e vê os ribeirinhos cortarem até os últimos centenário paus-d'arcos de suas encostas, com destaque para a serra do Pontal, onde havia vários tipos de madeiras nobre. Desceram todas em gigantescas balsas para as serrarias de Pedreiras e Bacabal.
            Era muito difícil a gente vir subindo de lancha e não encontrar até cinco Balsas uma atrás da outra, lembro que nós gritávamos da lancha pra encher o saco deles dizendo assim, tira a água do porão da balsa balseiro, e eles xingavam  a gente.
            Uma viagem da Barra a Pedreiras, ou vice-versa, era muito legal, um tanto vagarosa, mas cômoda, armava-se a rede e dormia ao som do motor, meio-dia saia o almoço e a tardinha o jantar.
            Normalmente levava três dias de descida e quatro de subida, incluindo as noites. Nesse tempo ainda existia minutos trechos com frondosa mata ciliar, principalmente do Ipiranga até Barra do Corda.
            Muitas robustas gameleiras em ambas as margens que cresciam e se debruçavam pra cima do rio entrelaçando seus galhos nas alturas. Havia trechos que formavam verdadeiros túneis sombrios, que a gente costumava dizer, aqui macaco para atravessar o rio não precisa nadar.
            Volto a dizer era muito legal, havia também muitos pés de criuli (fruta) derreados sobre o rio que quando estavam carregados e bem maduros, a gente passava com a lancha roçando em seus galhos ai era uma verdadeira chuva de criuli no convés da lancha e nós fazíamos a festa.
            Quando se passava no Talhado Grande, parecia que estávamos entrando numa caverna, a explosão do motor mudava de tom de fazer medo a quem não era acostumado. Quantas recordações.

*Wilson Ferreira Leite é historiador, mora em São Luís Gonzaga (MA)

(TB19mar2014/nº43)

 

Crônica
Quando eu fui embarcadiço
jornal Turma da Barra

 

O povoado hoje Santa Vitoria, antes seu nome era Desordem, 
e depois que foi mudado seu nome para Santa Vitória, seu João não admitia mais que alguém a chamasse de Desordem

*Wilson Leite

            Quando ainda adolescência entre 14 a 17 anos de idade, trabalhei como praticante de motorista na lancha de nome Veneza da empresa de  navegação  irmãos  Queiroz limitada que fazia linha de Barra do Corda a Pedreiras.
            Foi justamente por isso que pouco estudei. Mas tudo bem, aprendi uma profissão que na época era valorizada.
            Naquele tempo as mercadorias chegavam à Barra mais pelo rio, de que por terra. Pra mim foi um período muito legal, onde ouvi e vivenciei muitas historias e casos interessantes e outros nem tanto.
            Hoje tomo a liberdade para falar do senhor João Ângelo  a quem conheci bastante, tinha casa na Barra mas passava mais tempo em sua grande propriedade e comércio que ficava no povoado ribeirinho de nome Axixá, na região da serra do pontal. Seu João Ângelo era por demais conservador e respeitador todo com ele teria que ser na risca.
            O povoado hoje Santa Vitoria, antes seu nome era Desordem, e depois que foi mudado seu nome para Santa Vitória, seu João não admitia mais que alguém a chamasse de Desordem.
            Quando num certo dia já quase ao escurecer chegou um viajante com seu matulão na costa e pediu para seu João um arrancho para passar a noite porque estava com medo de se topar com uma onça, que havia muitas na serra do Pontal.
            Seu João prontamente deu arrancho para o viajante. Entretanto o cara aborrecido, mas ainda foi ao rio tomou banho voltou e ainda jantou com o velho, e armou sua redinha e se espichou para dormir, e numa breve conversa seu João perguntou onde ele morava e o infeliz inocentemente respondeu, eu moro na Desordem.
            Ele João Ângelo tinha um hábito de todo que ia falar sempre usava um sim senhor na frente do que ia falar, então ele falou para o caboclo bem sério.
            Sim senhor, pois desate sua rede e desapareça de minha frente, pois na minha casa eu não hospedo desordeiro, o moço ainda tentou remendar a coisa, mas o jeito foi desatar a rede e meter a cara na escuridão da serra do Pontal.

*Wilson Ferreira Leite é historiador, mora em São Luís Gonzaga (MA)

(TB12mar2014/nº42)

 

Crônica
Buscando lenha
jornal Turma da Barra

 


Wilson Leite

"levantei a vista e avistei uma enorme cobra preta com amarelo entrelaçada na ruma de lenha
 acho que procurando algum inseto, ai eu fiquei ali em pé esperando ela ir embora, 
e nada dela sair, eu já impaciente e com bastante medo, 
foi quando resolvi espantar a bicha"

*Wilson Leite

            Em tempos idos, em Barra do Corda, todo mundo cozinhava à base de lenha, comprava-se nas quitandas igual se compra hoje o gás butano.
            Já a classe de baixa renda, ia ela mesma tirar no mato, que era o nosso caso.
            Lá em casa todos os nossos possuídos eram, um jumento, uma canoa, e alguns porcos. E em nossa rua, eram poucos que possuíam tamanho patrimônio.
            Tudo bem peguei a canoa e sai rio abaixo chegando até o porto da Cerâmica onde havia uma frondosa gameleira, aportei passei a corrente da canoa numa raiz de árvore e peguei o machado e subi por um caminho.
            Já um pouco distante encontrei onde um lenhador havia derribado um pé de angico e tirou a lenha de todo o caule, mas deixando a galhada da árvore.
            E como a minha lenha não era pra vender, aquela galhada me caia muito bem. E danei a cortar lenha até fazer um monte que calculei que já dava para o carrego da canoa.
            Então parei e fiz os planos, vou à beira do rio beber água e levo somente o machado, depois vou carregar de fecho em fecho. Assim foi meu plano, cheguei entrei na água até aos joelhos enfiei a boca no rio igual boi, bebi à vontade, descansei bem, ai peguei uma corda e fui para começar carregar a tal lenha pra beira do rio.
            Quando eu cheguei a uns dez metros do monte de lenha, levantei a vista e avistei uma enorme cobra preta com amarelo entrelaçada na ruma de lenha acho que procurando algum inseto, ai eu fiquei ali em pé esperando ela ir embora, e nada dela sair, eu já impaciente e com bastante medo, foi quando resolvi espantar a bicha.
            Eu acho que a infeliz ainda não tinha me visto, porque quando joguei um pau que inclusive bateu nela, essa cobra levantou uns dois palmos de pescoço e fez menção em meu rumo, daí não esperei, mas nada, despreguei na carreira e era de descia o mato rasteiro batia nas canelas eu já pensava que era a cobra ai era que eu desembestava na carreira, na carreira que eu vinha, só o rio que me atalhou, de cima da barreira pulei quase no meio do rio.
            O resultado é que eu fui embora deixando a lenha perdida, e sem saber se ao menos essa cobra correu atrás de mim, até porque não deu tempo olhar pra trás.

*Wilson Ferreira Leite é historiador, mora em São Luís Gonzaga (MA)

(TB26fev2014/nº41)

 

Crônica
O cacoete de dona Lourinha
jornal Turma da Barra

 


Wilson Leite

*Wilson Leite

            Dona Lourinha era mãe de Edson Falcão da Costa Gomes que foi prefeito de Barra do Corda no início da década de 60.
            Sem intenção de maltratar a memória de nossos conterrâneos, mas que fazem parte da história da nossa terra, portanto a gente vai registrando essas pitorescas lembranças do passado.
            Quando eu conheci dona Lourinha ela já era idosa e tinha um certo cacoete que chamava a atenção principalmente de quem não a conhecia.
            Dona Lourinha balançava a cabeça para um lado e para o outro, jogando o cabelo pra todo lado, piscava os olhos além da conta, e ainda tinha uma tossizinha e um fungado.
            Um certo dia, eu ainda garoto, perguntei para minha mãe Joana Bé, por que que dona Lourinha era daquele jeito?
            E ela mamãe me disse, meu filho é porque quando ela era moça, o povo dizia que a Lourinha era a moça mais bonita da Barra. Ai então ela se empolgou e daí começou fazer gestos e mais gestos para cada vez mais ficar bonita, e terminou assim fazendo careta de todo jeito.
            Que Deus tenha dona Lourinha no reino da glória até porque ela gostava muito da igreja.

*Wilson Ferreira Leite é historiador, mora em São Luís Gonzaga (MA)

(TB20fev2014/nº40)

 

Crônica
Voltando a Barra do Corda
dos anos 60

jornal Turma da Barra

 

*Wilson Leite

            Com todo respeito vou me reportar sobre alguns dos principais comerciantes da época.
            A começar pela casa sertaneja do senhor Mororó, onde seu forte era a cachaça de boa qualidade que vendia. Com fama em toda região inclusive no médio e baixo Mearim.
            O senhor Chico Milhomem, com destaque para o cigarro, pois era o agente da Souza Cruz na cidade. Lembro-me duma vez que fui comprar um maço de cigarros e depois que comprei ele me disse: - Olha, rapaz, a alma do comércio é o cigarro.
            Já o Mané Ferreira e Alberto Falcão possuíam loja de tecidos e negociavam também com arroz e algodão.
            O senhor Manoel Galdino vendia seriais, entretanto o forte do comércio era ferramenta e material para o homem do campo, para o pedreiro, o carpinteiro, o maleiro, o sapateiro e outros mais.
            Nesse tempo a maioria desses comerciantes possuía rancharias para alojar seus fregueses quando vinham do sertão.
            Tinham também a quinta (capinzal) para os animais, porque quando eles vinham do sertão passavam até três dias por conta da distância e o tratar dos negócios.
            Eles vinham em caravana com suas cargas que traziam principalmente pele tanto de animais doméstico, quanto de animais silvestre. Traziam pena de ema, buriti escamado, bola de mangaba e outras bugigangas.

*Wilson Ferreira Leite é historiador, mora em São Luís Gonzaga (MA)

(TB13fev2014/nº39)

 

Crônica
Revivendo o passado
jornal Turma da Barra

 


Lanchinha Sempre Viva de propriedade do Abel Dodô

*Wilson Leite

            Essa é a rampa de embarque e desembarque de Barra do Corda. Outra imagem que me foi cedida pelo conterrâneo Enio Pacheco.
            Essa fotografia não tem data, mas posso até garantir que seja do inicio da década de 60, e pelo que conheci das embarcações daquele tempo, me arisco a dizer que essa lanchinha, que está por trás desse batelão, foi uma lanchinha de nome, sempre viva de propriedade do senhor Abel Dodô.
            Era uma lancha pequena porém muito valente, saia às vezes de Pedreiras rebocando até três batelões como aí na imagem a gente vê dois e eram puxados por ela.
            Um detalhe, esse batelão que está na frente, está amarrado no redondo de poupa da carcaça da lancha São Jose, que era de dona Oadia Salomão.
            Quantas saudades!

*Wilson Ferreira Leite é historiador, mora em São Luís Gonzaga (MA)

(TB6fev2014/nº38)

 

Crônica
Time de futebol dos anos 50
jornal Turma da Barra

 


Time da década de 50

*Wilson Leite

            Essa fotografia foi feita no dia 4 de agosto de 1954 em Barra do Corda. E me foi repassada pelo conterrâneo Enio Pacheco.
            Em vista de não ter a escalação dos atletas anotados, eu fui me ter com dona Oclair, viúva do Moreno Queiroz, que juntamente com ela, conseguimos identificar uma boa parte dos jogadores.
            E faço um apelo para alguém que souber quem são os outros, que colabore completando  ou até corrigindo, se for o caso.
            Vamos a escalação dos identificados. Numero 3 Marina Rodrigues Salomão, 5 Sousa, 6 Dinda,o Dinda foi o eterno namorado da Rosa do Zé Preto, não sei se chegaram a casar-se, 7 Zequinha da Tita, 8 Sebastião do Primo, 9 Americano, 10 Ari,o Ari foi assassinado por um policial no carnaval de 1962, 11 Dom Rato, o Dom rato era um dos boêmios da época, 12 Bombardo, o perna de abelha, 13 Macedo, 14 Goipim, pai de Pedro Bombom foi meu professor no colégio Pio XI, 15 o polivalente na área da saúde, Machadinho, 16 Ilton Pitiba, 17 Toinho Cachacinha, , 21 Bernardo, 22 Leonardo Silva.
            Infelizmente eu já estava com o tempo esgotado, deu tempo eu conversar com dona Oclair, e dona Marina estava bastante ocupada na farmácia, mas independente dos colegas colaborarem ou não, quando eu for à Barra com certeza eu descubro os outros.

*Wilson Ferreira Leite é historiador, mora em São Luís Gonzaga (MA)

(TB29jan2014/nº38)

 

Crônica
Recordando um passado distante
jornal Turma da Barra

 


Banda de música São Francisco

*Wilson Leite

            Banda de música São Francisco. Essa fotografia foi tirada em 21 de abril de 1937 em Barra do Corda. Consegui essa foto justamente com um integrante da banda, o agora saudoso conterrâneo Doca Ferreira, e que também lucidamente me disse o nome de cada qual, infelizmente esquecendo o nome de um.
            Vamos a escalação por números. 1 Frei Adriano, 2 Frei Josué, 3 Moisés Providencia, que mais tarde veio a ser padrinho desse saudosista que sou eu. 4 Antonio Ribeiro, 5 Álvaro Melo, 6 Austragéslio Brandes, 7 Antonio Silva, 8 Antonio Miranda, 9 Candido Santos, 10 José Araujo, 11 José Providencia, 12 José Ribeiro Silva, 13 Manoel Bernardo, 14 Carlos Augusto, 15 Walesse Rodrigues, 16 Francisco Leda, 17 Lourival Marinho, 18 Doca Ferreira, 19 Ivan Ribeiro, 20 Joaquin Bilio, 21 Orlando Ribeiro, 22 não foi lembrado seu nome, 23 Raimundo Alves, 24 Antonio Araujo.
            Almejo que esses  nobres conterrâneos que já foram para o andar de cima, que estejam felizes tocando músicas no reino da gloria.


*Wilson Ferreira Leite é historiador, mora em São Luís Gonzaga (MA)

(TB23jan2014/nº37)

 

Crônica
Coisas do passado
jornal Turma da Barra

 


Lancha Rio Corda
e seus batelões

'E eu como embarcadiço que fui, pude observar que eles estão praticando uma operação 
que na linguagem marítima é chamada de espia, ou seja, quando a força do motor não dar para vencer a correnteza, é amarrado um cabo (corda grossa) 
acima da cachoeira em um tronco de arvore'

*Wilson Leite

            Esta é a lancha rio Corda e seus batelões singrandos as águas do alto Mearim.
            Esta foto foi feita em 1941, e que eu consegui com o nobre ambientalista barra-cordense Enio Pacheco, que por sua vez conseguiu com o pesquisador e historiador Álvaro Braga, sendo seu legitimo dono, o senhor Abraão Jorge.
            E que por minha vez, eu fui procurar pra ele Abraão, se por ventura ele saberia me dizer qual esse trecho do rio, e ele prontamente me disse que é na Cigana, perto da Barra do Corda.
            E eu como embarcadiço que fui, pude observar que eles estão praticando uma operação que na linguagem marítima é chamada de espia, ou seja, quando a força do motor não dar para vencer a correnteza, é amarrado um cabo (corda grossa) acima da cachoeira em um tronco de arvore e é acionado o guincho que normalmente havia na proa das embarcações naquele tempo.

*Wilson Ferreira Leite é historiador, mora em São Luís Gonzaga (MA)

(TB16jan2014/nº36)

 

Crônica
A minha primeira comunhão
jornal Turma da Barra

 


Wilson Leite

"Fiz todo direitinho na ansiedade de receber a hóstia consagrada. 
Ao sair de casa Mamãe me deu o dinheiro para comprar a vela, entrei na primeira quitanda comprei à bendita vela, e por infelicidade, sobrou um troco insignificante e o quitandeiro me deu um bombom."

*Wilson Leite

            Mamãe começou a me levar pra missa ainda bem pequeno e eu tinha muita vontade de comer uma rodinha daquelas que o padre distribuía para o povo na igreja, a hóstia consagrada. E ela, Mamãe, dizia que eu não podia, só quando tivesse a idade para fazer a
primeira comunhão, e pra isso eu tinha que me preparar.
            Tudo bem, o tempo passou chegou a idade fui matriculado para assistir um longo período de aula de catecismo. Me preparei juntamente com outros garotos, eu ainda morando em Imperatriz.
            Finalmente chegou o dia de receber a bendita hóstia consagrada. Um dia de sábado depois do meio dia fomos todos para a igreja, fazer o exame de consciência e logo após a confissão, e também as ultimas recomendações da freira.
            Vamos as recomendações, depois do jantar não sair pra rua, deitar cedo e levantar cedo, escovar os dentes e tomar banho, não comer nada nem se quer beber água, para não quebrar o jejum, vestir a roupa branca e trazer uma vela.
            Fiz todo direitinho na ansiedade de receber a hóstia consagrada. Ao sair de casa Mamãe me deu o dinheiro para comprar a vela, entrei na primeira quitanda comprei à bendita vela, e por infelicidade, sobrou um troco insignificante e o quitandeiro me deu um bombom.
            Foi quando redondamente eu me esqueci da recomendação da Freira e desenrolei o bombom e coloquei na boca, a igreja era perto entrei e sentei no meio dos colegas, e haja o bombom trincar nos dentes foi quando um coleguinha falou, olha Irmã o Wilson está chupando bombom, foi quando eu me toquei, mas já era tarde, e veio a Freira, abre a boca, eu abri lá estava o maldito bombom, e ela não teve complacência e disse, não pode mais se comungar. Levanta daí e senta lá do outro lado, agora só no outro ano.
            Eu sai dali arrasado, contei pra Mamãe ela não me bateu, mas me deu uma boa reprimenda. No entanto eu não desisti de perseguir a hóstia, no outro ano nós já tínhamos voltado pra Barra, tornei a me preparar, ai eu fiz a minha primeira comunhão na igrejinha do Convento das Freiras com outra turma.
            Eu tenho uma filha que quando eu conto essa história, ela ainda xinga essa Freira linha dura.

*Wilson Ferreira Leite é historiador, mora em São Luís Gonzaga (MA)

(TB2jan2014/nº35)

 

Crônica
Cena de terror 
numa igreja evangélica

jornal Turma da Barra
 

"Na porta havia um pequeno jardim com umas plantas da altura de uma pessoa, 
e lá estava um crente acho que de plantão, e eu encandeado não o vi, 
cheguei risquei a bomba e joguei lá no meio do salão"

*Wilson Leite

            Na minha segunda infância, passei uma temporada em Imperatriz. Numa certa boca de noite, nós uns oitos meninos brincando ao redor de uma fogueira, pois era dia de São João. A brincadeira era soltar traques e bombas, havia a bomba pequena e a grande que era um estouro monstro.
            Ali perto numa igreja os evangélicos estavam em pleno culto louvando ao senhor com a igreja lotada. Foi quando um dos garotos perguntou, quem é que tem coragem de jogar uma bomba lá dentro da igreja dos Crentes?
            Eu era o menor da turma e o mais besta. Os caras encheram minha bola que eu era o menor, mas era o mais corajoso, e eu embarquei na deles.
            Me deram uma bomba das grandes a caixa de fósforo e as instruções, quando tu riscar joga logo pra não explodir em tua mão.
            Na cidade não tinha luz elétrica e pro lado da igreja estava escuro só havia a faixa de luz que saia da porta assim mesmo fraca luz de Aladim, e eu fui confiado.
            Na porta havia um pequeno jardim com umas plantas da altura de uma pessoa, e lá estava um crente acho que de plantão, e eu encandeado não o vi, cheguei risquei a bomba e joguei lá no meio do salão, antes mesmo da bomba estourar, eu já estava seguro pelo braço, e fui obrigado a ver aquele grande alvoroço crente correndo pra todo.
            Quando a coisa serenou um pouco, eu bem seguro pelo braço, fui pra investigação. Olhei pro rumo de meus colegas, todos tinham passado sebo nas canelas.
            Aí o irmão perguntou, de quem tu és filho? Eu disse...
            Onde tu moras? Também disse, pois vamos lá vou te deixar em casa.
            Ao chegarmos em casa ele me entregou pra minha mãe e contando todo o terror que eu promovi na igreja.
            O certo é que fui dormir com o couro bem quente de muita taca.

*Wilson Ferreira Leite é historiador, mora em São Luís Gonzaga (MA)

(TB26dez2014/nº34)

 

Crônica
Cemitério de embarcações

jornal Turma da Barra
 

parte de uma lancha à direita

"Eu que fui embarcadiço por um bom tempo em minha juventude, 
faltou pouco pra chorar de saudades daqueles tempos"

*Wilson Leite

            Nessa imagem vemos carcaças de embarcações que singraram as águas do rio Mearim nos anos 50 e 60.
            Embarcações que carregaram o progresso da região por muito tempo. Entretanto o próprio progresso as tiraram de cena.
            Esse local onde se encontra estas carcaças é em Pedreiras em um porto na rua do Tamarindo.
             Essa maltratada foto foi feita em 1969, assim que cheguei a Pedreiras. Esse que está encima da barreira, era um batelão de nome “Deus é grande”.
            E essa lancha aparentemente inteira, de nome Santa Terezinha. E outra que não aparece na foto de nome, Aracy, era uma lancha de Arari que veio morrer em Pedreiras.
            Essa outra foto também bastante maltratada, tirei no verdor de meus 19 anos, escolhi o local de propósito para pegar ao fundo uma lancha do outro lado do rio, e a poupa de outra lanchinha embaixo da ponte.
            E em especial, a ponte sobre o rio Mearim. Essa ponte não existe mais, ela caiu se não me falha memória no dia 12 de junho de 1984, mas colocaram outra no lugar com o mesmo nome. Francisco Sá, o mesmo Francisco Sá que foi prefeito ai na Barra em um tempo distante.
            Eu que fui embarcadiço por um bom tempo em minha juventude, faltou pouco pra chorar de saudades daqueles
tempos.

*Wilson Ferreira Leite é historiador, mora em São Luís Gonzaga (MA)

 

Crônica
Lau e Natal
jornal Turma da Barra
 


Wilson Leite

"A briga começou na porrada, e depois passou pra outra modalidade, como os cabras eram forçudos, um arrancava uma torcera de milho e com duas lapadas no outro o material se espatifava todo."

*Wilson Leite

            Lau e Natal eram filhos do senhor Miguel Ananás que moravam em sua propriedade abaixo do Belo Horizonte. Entre a propriedade de seu Luís Rosa, e de seu Antonio Martins.
            Entretanto seu Miguel Ananás comprou uma casa na cidade e trouxe a família. Mais ficou a casa do sítio e seus animais, e como era perto eles iam e vinham todos os dias cuidar do gado e de suas plantações.
            Lau e Natal tinham na época entre 18 a 20 anos dois machos fortes, o Lau sendo mais velho que o Natal, talvez um ou dois anos.
            O que eu quero dizer é que certo dia sai a procura de meu jumento que pastava praquelas bandas, e ao me aproximar da casa de seu Miguel, deparei com Lau e Natal, igual dois touros bravos numa briga feroz.
            Como em casa só havia os dois, e eu não pedia fazer nada, fiquei assistindo o destroço escondido por trás de um jatobazeiro (árvore).
            Em volta da casa havia uma plantação de milho e macaxeira. Macaxeira já de bom tamanho, e o milho já empendoado.
            A briga começou na porrada, e depois passou pra outra modalidade, como os cabras eram forçudos, um arrancava uma torcera de milho e com duas lapadas no outro o material se espatifava todo.
            O outro por sua vez, arrancava um pé de macaxeira e fazia o mesmo, e assim iam se revezando.
            E isso foi um alvoroço demorado, o galo dando cacarejos de assombro às galinhas com seus filhotes correndo desatinadas, e o bagaço torcendo.
            Até quando não havia mais pés de milho e macaxeira para servir de arma, e ambos quase de língua de fora de tanto cansaço, o Natal desceu para o rio e o Lau morto de cansado colocou as mãos nas cadeiras e ficou a contemplar o estrago, até parece que havia passado um furacão.
            E eu de onde estava, de lá mesmo zarpei, eles nem chegaram a me ver.

*Wilson Ferreira Leite é historiador, mora em São Luís Gonzaga (MA)

(TB11dez2014/nº32)

 

Crônica
O bar do seu Acrísio

jornal Turma da Barra
 
"Havia um  programa na rádio Sociedade da Bahia intitulado ‘Cantinho da recordação’ 
todas seis horas da tarde. Eu tinha apenas dez anos mas já era saudosista, 
saia da rua do Cai N’água e ia ouvir músicas com seu Acrísio
 

*Wilson Leite

            Talvez por muito viajar em pensamento pela Barra do Corda de outrora, constantemente sonho com pessoas e locais daquela época.
            Agora há pouco sonhei com o bar de seu Acrísio dos anos 60, com sua mesa de jogar sinuca e outra de jogar ping-pong, sua geladeira a querosene, havia um recanto no balcão onde ele servia um delicioso refresco de frutas regionais acompanhado com pão doce.
            E também o seu possante rádio a pilha na prateleira do comércio, o relógio de parede em algarismo romano para marcar as horas jogadas na sinuca.
            Foi justamente nesse relógio que todos nós a molecada da época aprendemos a ler hora.
            Seu Acrísio era uma ótima pessoa por mais que agente bagunçasse, ele nunca perdia a calma. Quando os adultos estavam jogando, que encerrava a partida, ai era a nossa vez.
            Enquanto ele, seu Acrísio ia conferir hora e minutos jogados, receber o pagamento e passar o troco, nós os ‘perus mirins’ tomavámos  conta do jogo e aja a dar tacadas a esmo, mas quando ele vinha juntar as bolas, nós para fazer média, lhe ajudava.
            E não esquecendo que em particular, eu era seu parceiro de ouvir músicas juntos no rádio dele.
            Havia um  programa na rádio Sociedade da Bahia intitulado ‘Cantinho da recordação’ todas seis horas da tarde. Eu tinha apenas dez anos mas já era saudosista, saia da rua do Cai N’água e ia ouvir músicas com seu Acrísio.
            E era legal porque nessa hora não tinha movimento algum, era só nós dois a ouvir Augusto Calheiros, Chico Viola, Vicente Celestino e outros.
            Durante esse programa, só passavam três comerciais. Que eram, do  aguardente Jacaré, da pomada Minâncora e de um produto para cabelo, que dizia assim, venha cá alisa os cabelos duros sem queimar. Quantas saudades!

*Wilson Ferreira Leite é historiador, mora em São Luís Gonzaga (MA)

(TB4dez2014/nº31)

 

Crônica
Feijoal pras bandas do Araticum
jornal Turma da Barra
 
"A minha mãe não gostava que eu jogasse peteca 
porque era coisa de moleque, portanto minhas petecas eram bem escondidas"

*Wilson Leite

            Deusoita minha irmã de criação e madrinha de fogueira. Casou-se com o Noca carpinteiro velho que ainda mora ai na Barra.
            Logo que se casaram, ele comprou uma casa com um bom pedaço de chão pro rumo do Araticum subindo depois do Firmo.
            O certo é que a Mamãe andando por lá, achou por bem que eu fosse roçar um trecho de chão para plantar feijão.
            Lá vai eu todo dia depois do café com um facão na mão para esse trabalho. Chegava na praça Getúlio Vargas onde hoje é dos camelôs, dava um bom expediente no jogo de peteca que estava justamente no auge nesse período, era menino como diacho jogando peteca isso dava briga toda hora e um dos mais confusista era o Mudo do Passarinho.
            Eu dava meu expediente e ia embora um pouco atrasado, mas tudo bem, passava na ponte do rio Corda em cada espaço de um pilar ao outro eu dava uma cutilada com a costa do facão naqueles canos de ferro somente para ouvir o tinido, coisas de menino vadio. Na ponte do Mearim fazia a mesma coisa e ia embora trabalhar.
            A minha mãe não gostava que eu jogasse peteca porque era coisa de moleque, portanto minhas petecas eram bem escondidas.
            Em um desses dias que eu ia para o bendito feijoal, e teria que levar as petecas, isso sem ele Mamãe nem sonhar, veja o que fiz, eu só usava calça curta, mas, no entanto tinha o mesmo tanto de bolsos que calça normal, então, para não fazer barulho eu coloquei uma peteca em cada bolso e por atentação, sobraram duas petecas e não havia mais bolso, ai eu coloquei uma em cada sovaco e peguei o facão e vou saindo e Mamãe percebeu meus braços muita ajustados no corpo e perguntou o que eu tinha nos braços, respondi nada, e ela vem cá pegou meu braço e levantou e a peteca caiu, o outro a mesma coisa, foi nos bolsos cada bolso cada peteca, e cada peteca cada cascudo com a própria peteca.
            Esse dia não foi legal pra mim.


*Wilson Ferreira Leite é historiador, mora em São Luís Gonzaga (MA)

(TB27nov2014/nº30)

 

Crônica
Porto da Sapucaia
jornal Turma da Barra
 
“Foi justamente embaixo desse Juazeiro 
que eu e outro colega enterramos a mão de um trabalhador do Mané Ferreira, que a máquina de descaroçar algodão decepou
"

*Wilson Leite

            Conheço uma oração que recomenda pra gente aceitar aquilo que não pode modificar, entretanto é difícil de aceitar o que o famigerado progresso fez com a nossa querida Barra do Corda dos anos 60, em especial com o histórico porto da Sapucaia onde tudo começou.
            Contemplei uma foto feita agora recente do porto da Sapucaia que foi postada aqui no TB por sinal muito bonita, porém não tem nada haver com o porto da Sapucaia que eu conheci.
            Vou tentar detalhar como era antes. Havia um muro de sustentação que começava quase estremando com o porto de dona Horácia, subindo até o canto dobrando pra rua, e descia do canto do quintal das freiras até fazer outro canto que também subia pra rua formando um beco.
            Esse muro construído a base de cal e pedras, tinha quase um metro de largura com uns detalhes, ao longo do muro, mais ou menos de três em três metros havia uns pilares que enfeitavam a obra, e como não eram tão altos, nós a molecada corríamos em cima do muro para ver quem resistia pular mais obstáculo.
            Do lado do rio o muro ficava alto, já do outro lado era baixinho por conta do aterro, havia uma ótima sombra de um grande pé de Juá vizinho à boca da vala (esgoto).
            Foi justamente embaixo desse Juazeiro que eu e outro colega enterramos a mão de um trabalhador do Mané Ferreira, que a máquina de descaroçar algodão decepou.
            Também do lado oposto ao Juazeiro, havia uma solitária Palmeira Imperial, nesse tempo não havia uma só casa nesse local, a rua do Ferro Velho terminava na usina de seu Ayrton. O resto era só monturo e cuim (palha de arroz) das usinas da cidade que era jogada ali.
            E nesse cuim de arroz, dava uma jumentaria danada que quando a noite era bastante frequentado pela rapaziada da redondeza, que no entanto, se defendendo de um coice na canela, o restante saia mais em conta de que ir lá no BQ [Buraco Quente].
            Quando eu sai da Barra em março de 1969, e na Sapucaia já tinha um bocado de casinhas que era tipo um inferninho, coisa  de gente miúda onde eu presenciei um assassinato ai nessa minúscula favela que era na época.
            Eu lembro que o cara que morreu não era bem visto na área, não foi quase ninguém ao velório, mas, no entanto logo pela manhã cedo apareceu uma meia dúzia de pinguços, jogou o defunto numa rede amarrada num pau e rumaram para o cemitério do Matias. Com tudo isso nossa Princesa do Sertão continua linda e eu a amo.

*Wilson Ferreira Leite é historiador, mora em São Luís Gonzaga (MA)

(TB20nov2014/nº29)

 

Crônica
Uma ilha para namorar,
outra para esporte

jornal Turma da Barra
 
“Um pouquinho abaixo da ilha que agente jogava bola, havia outra ilha bem arborizada e não era tão pequena, só que não era frequentada devido não ser zelada, havia o mato rasteiro e umas moitas de marajá. Então, essa ilha no meio da cidade e, no entanto desprezada"

*Wilson Leite

            Li belíssimos comentários de uma linda imagem que foi postada aqui no TB onde bem no centro se encontra a Ilha Grande que para mim é o coração da minha querida cidade.
            Gostei de ler também os comentários de agradecimentos ao nosso competente ambientalista Enio Pacheco pelo resgate desse nosso patrimônio.
            Entretanto, eu quero falar também da ilha primitiva que tive o prazer de conhecer e jogar bola nela juntamente com os garotos da minha faixa etária, que eram justamente a mesma turma que o Borginho citou em sua crônica anterior, inclusive os saudosos Armando Pacheco e Carloman Martins, que infelizmente tiveram o mesmo destino de se acidentarem mortalmente na Cachoeira Grande e assim passando para o andar de cima.
            Um pouquinho abaixo da ilha que agente jogava bola, havia outra ilha bem arborizada e não era tão pequena, só que não era frequentada devido não ser zelada, havia o mato rasteiro e umas moitas de marajá. Então, essa ilha no meio da cidade e, no entanto desprezada.
            Foi quando o Sidney Milhomem chamou Ranufo e mandou contratar uns homens e fizeram  uma boa limpeza em toda a ilha e no final da semana  fizeram um fabuloso domingo alegre com banda de música e muita gente e muita cerveja.
            Doravante o local passou a ser frequentado, ou seja, uma ilha para o futebol, e a outra para se namorarem.
            Em ambas as ilhas além das arvores de pequeno porte havia duas frondosas gameleiras uma em cada ilha que seus troncos serviam de mural para a moçada mas romântica com qualquer objeto cortante deixava  gravado no tronco da arvore  suas declarações de amor, ou mesmo o nome ou iniciais do nome da pessoa  amada, em vice-versa.
            Acho que com o estrago da ilha de cima, os rios revoltados, levaram embora a ilha de baixo.

*Wilson Ferreira Leite é historiador, mora em São Luís Gonzaga (MA)

(TB13nov2014/nº28)

 

 

 

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