Artigo
À memória do pescador Nelson Gomes. Encerramento de um capítulo
jornal Turma da Barra


Eduardo Galvão

"O caminho dos perversos é como a escuridão; nem sabem eles em que tropeçam" 
Provérbios 4.19

*Eduardo Galvão

            Nestes últimos meses o TB noticiou uma sequência de falecimentos de cidadãos importantes e de pessoas amigas que marcaram época em Barra do Corda, foram passamentos naturais lamentados, mas perfeitamente aceitáveis por serem inseridos na renovação da vida.
            Mas não nos conforma quando a violência atinge pessoas. Nos causa revolta pela bestialidade injustificável dos espíritos maus, pessoas possessas, bestiais, dispostas a cometerem qualquer tipo de violência, por serem dormentes e insensíveis a dor e ao sofrimento de quem quer que seja.
            Estou em São Francisco, Califórnia, em visita ao meu filho e tinha planejado, caso tivesse disposição, escrever um pequeno registro sobre a cidade, com informações turísticas que pudesse ser útil às pessoas que desejassem visitar esta linda jóia do oeste americano.
            No entanto, fui colhido pela notícia do assassinato bárbaro do amigo Nelson Gomes, casado com minha prima Maroquinha Araújo. A Maroquinha, filha do tio Antonim Araújo, nasceu na linda e saudosa Vila Araticum no tempo de paz e alegria e, com o casamento, continuou morando no mesmo local e quando chegou o loteamento mudaram-se para a curva do rio Mearim, em frente ao Remanso das Meninas, até a fatídica agressão.
            Não acreditei na dimensão da brutalidade a um senhor de 84 anos de idade, que chegava em sua casa proveniente da feira e encontrou sua residência invadida por um demônio incorporado que, covardemente, desferiu-lhe um potente golpe de facão em sua costa e o deixou jogado no chão, sangrando até ser socorrido. Não resistiu a grande perda de sangue.
            Vejam a que ponto Barra do Corda chegou, verificamos cada dia a cidade é engolfada na violência sem medida. Uma polícia incompetente, mal treinada e mal paga e que não entende a relevância da função, é uma tragédia, e que, se aliada a um judiciário que não merece confiança, devido a leis confusas, e a qualidade de juízes, torna-se calamidade e é nessa calamidade que o povo de Barra do Corda é obrigada a viver.
            Não vou me ater na incompetência administrativa por ser chover no molhado, quero me fixar na saudosa memória do pescador, do amigo que nos recebia com prazer. No companheiro de peixadas de meu pai. Eles navegavam o rio Mearim por prazer e divertimento, sempre acompanhado da "meota" de cachaça. Pescar era um prazer e fisgavam apenas o suficiente para "tirar o gosto" da terrinha.
            Que Deus seja misericordioso contigo no julgamento final, tu deixas a saudade de uma fase da vida do Araticum, capítulo que encerrou com sua partida, você levou o que restava da lembrança viva dos tempos bons, muito bons!


*Eduardo Galvão é historiador e Vice-Cônsul do Brasil em Saint George’s - Granada 

(TB11nov2014)

 

Artigo
Raízes
jornal Turma da Barra

'O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente”. 
Mário Quintana

*Eduardo Galvão

            Minha cidade natal é o que resta das raízes de uma planta que é constantemente mudada, Eu. Raízes que se entaramelaram na terra antiga do pass
ado distante, que traz alimento para meu coração. Minha terra é revivida em mim num “updating” automático, que atualiza os acontecimentos e as lembranças maravilhosas da infância.
            Como gostaria de viver fisicamente na cidade onde nasci e poder acompanhar as mudanças comuns de alguém que envelhece e poder influir o progresso para o bem estar de sua população; ter a vida simples de sertanejo e viver dia a dia comum, de fazer parte da comunidade, dos festejos, competições esportivas e, até mesmo, poder acompanhar os cortejos fúnebres dos parentes e amigos queridos que deitassem na terra fria da sepultura e jogar o último punhado de terra e sussurar até breve. Consola-me Deus!
            Aos quinze anos parti para Brasília e, após os estudos, o destino levou-me a viajar pelo mundo, por motivos profissionais, em um vai e vem constante. Não tenho nada de definitivo apenas amizades transitórias, por ser minhas paradas temporárias, para trabalho por tempo limitado, para a seguir nova mudança.
            Meus filhos ficaram em cidades e países diferentes, incapazes de acompanhar a correria do vagueio. Eles criaram asas mais cedo e passaram a ter vida própria. A obrigação profissional tirou-me o gosto da constância, me tornando incapaz de permanecer num mesmo lugar por longo tempo e o meu espírito indomável se adaptou às circunstâncias e este é o meu destino, traçado pela Força celeste. Ele, Deus Pai, não me autorizou ou deu-me a opção, ainda, de parar.
            Deus, Maravilhoso Deus! Tu és misericordioso comigo, tu me presenteaste com uma boa família, quando permitiu que eu constituísse a primeira família. Nossos filhos estão bem colocados, todos formalmente educados. Tu, Senhor, mesmo sem eu merecer tamanha glória, Tu me presenteaste, permitindo que meu filho galgasse o pináculo almejado por todos grandes estudantes do mundo.
            Tu mandaste mais flores lindas para encantar o jardim do outono da minha vida. Tu me deste uma segunda família, tenho  uma esposa feliz, amiga e carinhosa que me cobre de amor. Ela é árvore de raízes que se aprofundou em mim, se tornou sólida e suas flores refletem as luzes no entardecer de minha vida. Ó Deus misericordioso, como sou agradecido por ter me escolhido e por ter nos dado nossa filhinha queridíssima, carinhosa e formosa, como pedimos a Ti Senhor!
            Imutável é o meu amor pelos rios de minha terra, às cachoeiras, ao clima,a o cheiro das coisas naturais, as paisagens dos casebres humildes do povo simples. Esse amor nunca partiu, permaneceu em mim e está encravado, sólido.
            Deus, para compensar meu destino nômade, me deixou agarrado à terra de nascimento e não me deixa partir, estou e estarei sempre respirando e dividindo os espaços que foram de meus antepassados.
            Não é estranho, depois de viver, trabalhar em vários países e conhecer muitas culturas, ficar preso ao humilde berço de nascimento? Não, não é estranho, é natural, eu preciso de minhas raízes, elas trazem o DNA dos meus antepassados.
            Não, não voltarei para Barra do Corda porque nunca parti da terra amada, sou um cavaleiro pronto para a luta, entrarei em campo com as armas que disponho e me ajuntarei aos outros filhos que te amam para a batalha corpo-a-corpo; jamais utilizaremos meios sujos. Como os cavaleiros do passado, não temeremos a luta em campo aberto e com a dignidade venceremos o obscurantismo que te enodoa por quase dois séculos.

*Eduardo Galvão é historiador e Vice-Cônsul do Brasil em Saint George’s - Granada 

(TB30out2014)

 

Artigo
Planeta Giz
jornal Turma da Barra


Rua do Giz em Barra do Corda (MA)
Década de 60 do século 20
Foto de William Crocker

'Não deu outra, no outro dia, bem cedo, estava na porta do Seu Ze Irineu o guarda da Colônia,
o famosíssimo Souzinha, que tinha vindo a mando do Administrador, Dr. Tapety, para ver se pegava o sujeito que tinha matado o "viadinho da Marlene", pois a Marleninha estava inconsolada.'

Eduardo Galvão

            Nós, da rua do Giz, éramos uma meninada alegre e solta como jumento sem dono, apesar de levarmos uma sova de nossas mães, de vez em quanto, para voltarmos à linha. Éramos capazes das maiores danações e ficar com a cara mais limpa do mundo, quando pegos em fragrante delito.
            Parecia implicância com os padres, mas não era, talvez a necessidade de adrenalina no sangue causada excitação do perigo. As nossas mães insistiam: qual a necessidade de atacar as frutas do Convento se nos nossos quintais no Giz tínhamos as mesmas frutas em abundância?
            No entanto, sob o comando do Anim Irineu, pulávamos o muro dos padres para bulir com o que era dos outros.
            Os Freis, para proteger o patrimônio, criavam cachorros enormes e valentões, umas feras, e, por isso, tornava o desafio maior e valorizados os sapoti, as mangas e os cajus docinhos que nem sei o quê de bom! Às vezes coincidia do Frei Bernardino correr a nossa cata, ah! Como era excitante descer da mangueira, de pulo, se jogando no chão e correr até cair no Corda e, a nado, atravessá-lo. Os impropérios do Padre, em italiano, eram ouvidos a distância.
            Oh! Doce vida, finado Anim Irineu!
            A casa dos Irineu era uma casa alegre, com mais de 17 pessoas, somente os filhos eram quinze na época, depois nasceu mais três de uma vez só. A sopa andava rala por aquelas bandas, pois sustentar essas bocas todas não era fácil.
            O Anim, o mais arteiro, certo dia armou-se com uma espingarda e falando que ia para uma caçada, atravessou, com pouse de quem partia para um safári, o Corda e foi invadir o feudo dos Tapety. Não durou meia hora para escutarmos o estrondo da 28 do Seu Zé Irineu e, em questão de minutos, o Anim apareceu no outro lado arrastando um bicho, jogou o dito no casco e atravessou o rio de volta, em velocidade recorde.
            O "caçador " do Giz tinha, naquela época, mais ou menos de doze anos de idade e estava orgulhoso e alegre do feito, que nem pinto no lixo. Com o pé em cima da fera, espingarda nas mãos exibia o troféu: um veado mateiro gordo, de pelos brilhantes, parecia até que o coro do bicho tinha sido escovado recentemente.
            Não sei quem de nossa turma falou assim, suspeito que foi o Galo: Anim, acho que esse veadinho tem dono... O Anim retrucou, que nada, não entrei no lote de "seu" ninguém, o bicho estava solto no mato e quando eu vi mandei bala. E acrescentou "fobando", para impressionar a galera: "eu sou bom de tiro".
            Não deu outra, no outro dia, bem cedo, estava na porta do Seu Ze Irineu o guarda da Colônia, o famosíssimo Souzinha, que tinha vindo a mando do Administrador, Dr. Tapety, para ver se pegava o sujeito que tinha matado o "viadinho da Marlene", pois a Marleninha estava inconsolada. Depois de muito disse-não-disse, e com o Anim fugido, tudo voltou ao normal no planeta Giz e a querida Marlene Tapety fechou-se em luto e a vida seguiu o seu curso.
            Claro, o "pet" da Marlene teve um destino cruel, mas por uma causa nobre, foi para a panela dos Irineu, mesmo com todo esforço do Souzinha para resgatar o bicho. Acho que os Tapety queriam fazer um enterro do mateiro, pois a Marlene, magricela que nem ela, não teria coragem pra comê-lo e nem os seus parentes. Os Irineu tinham.

*Eduardo Galvão é historiador e Vice-Cônsul do Brasil em Saint George’s - Granada 

(TB21out2014)

 

Artigo
A praça da Matriz – Memórias
jornal Turma da Barra


Praça Melo Uchoa

Dedico essa crônica ao meu querido primo e amigo de infância, Manoel Moreira Filho, 
que nasceu e viveu, até a adolescência, na praça da Matriz

*Eduardo Galvão

            As palmeiras eram marcos inseparáveis da praça e da igreja, as suas palmas realçavam a arquitetura pujante de estilo italiano e, com as ausências delas, a beleza da igreja foi reduzida a um lindo prédio religioso como muitos outros, sem o encanto das palmeiras. Em minha mente ainda estão registradas a visão das fotos dos mártires, dispostas na fachada principal, entre os caules fortes.
            Ao avistar, de longe, no escuro da praça um casal jovem em carícias, a pulga da paixão me acordou, lembrei de Louise. Por onde andarás tu, minha querida? Não importa, a sua lembrança já é suficiente. Como num filme, vejo Louise com aquele vestidinho de chita florido, com olhar tímido e sapeca, dissimulado e dissimulando, quando me olhava com a pontinha do olho tinha o sorriso disfarçado, que somente nós dois sabíamos interpretar o segredo do encontro furtivo no escurinho das palmeiras. Absorto com esses pensamentos, paro em frente a uma árvore viçosa, no entanto não a vejo, continuo lendo mentalmente os bilhetinhos perfumados que Louise me enviara, em segredo, por uma amiga comum.
            Abstraído com a minha adolescência, encontrei-me no passeio da praça em frente à residência do Seu Jaldo Santos. Olho interessado, avisto a mesma fachada dos tempos da minha infância, aquela casa parecia a mais rica da Melo Uchôa. Vi, sentada junto à porta principal, uma senhora com olhar absorto como se estivesse perdida nos acontecimentos passados, na transitoriedade da vida. Depois de adultos tudo se reduz, o prédio, agora, me parecia simples, comum como centenas de outros da cidade, não tinha o encanto e a energia de outrora. A mesma sensação me causou a Casa Sidney Milhomem, onde o próprio tinha comércio e naquele momento parecia entristecida e pobre.
            E a Casa da Onça, quem lembra dela? De seu João Pereira, 'cabra brabo' que matou gente. Homem sem crença, mas que depois no apuro virou beato, de missa e hóstia. Parei para olhar onde a onça tinha toca, lembrei-me das pessoas alegres que povoavam a vizinhança, de Dona Florir, de seus filhos, do Seu GD e sua família, dos simpáticos Ramos e de minha tia-madrinha Deuzerina Barbosa e de meu querido primo e amigo, Manoel Moreira Filho, o Morerinha. Que saudades, Morerinha, daquele povo! Do Seu Joaquim, da Dona Mercedes e de seus filhos, queridos amigos Molhados!
            Na esquina, oposto da antiga Escola Normal, hoje Pio XI, com letreiro grande, o Bar do Caburas é um destaque. É uma Casa especial, frequentada quase exclusivamente por homens, que vão ali matar a sede e sorver, lentamente, os humores da cidade. O bar, parlamento substituto, no qual se trama a derrubada de prefeitos e encarceramento dos cabras safados, corruptos costumeiros. A clientela é cativa, a fina flor de barra-cordenses da gema, saudosos inveterados, poetas, músicos, profissionais liberais que vivem na terra e os que moram fora.
            Lembro da antiga dona do prédio onde o amigo Caburité tem o seu famoso bar, naquele tempo era uma casa normal e hoje foi dividida em lojas. A proprietária era a saudosa Dona Tereza Barbosa, mulher positiva, inteligente, sem papa na língua e sua residência ficava logo atrás, localizada em frente a quadra do Pio XI. Era uma casa bonita para os padrões da época, vizinha dos Providências.
            Praça querida, te vi com pé no chão, descalçada, poeirenta, maravilhosa para o pião, empinar suros e para brincar de triângulo depois da chuva (quem ainda sabe o que é isto?). Como é bom, amiga, te ver florida, bem cuidada. Tu povoas as minha melhores recordações.


*Eduardo Galvão é historiador e Vice-Cônsul do Brasil em Saint George’s - Granada 

(TB14out2014)

 

Artigo
Casal bossa nova
jornal Turma da Barra


Castelo do Giz
Foto de Cleomilton Macedo

"O casal Arruda soube viver uma vida com estilo nos anos dourados de Barra do Corda. O casal foi bossa nova na forma de vestir-se, sem esnobar. Na vida social da cidade, e nas festas que promoviam em seu Castelo de Giz, pois sabiam receber como ninguém a fina flor da sociedade local."

*Eduardo Galvão

            Já não me importo com política em Barra do Corda, descobri que a solução dos problemas da minha querida terra não se resolve por esse caminho, ou seja, cansei de tentar penetrar numa fortaleza onde não existe virtudes.
            Não quero saber se sicrano ou fulano está mamando na teta farta do governo ou se vive na promiscuidade da corrupção, não vale a pena saber. Os sugadores têm a proteção da maioria do povo e que parece deleitar-se em assistir o apojar nas tetas de um estado esquálido. Quem sou eu para interferir?
            Quero apenas a Barra do Corda que toca o meu coração, embora a cada dia fique mais longe, longínqua, envolta na nuvem opaca do passado. Mas a fantasia de reencontrá-la me deixa feliz, embora seja um devaneio, mas o eco ainda é perfeitamente audível.
            E a roda do tempo continua. As horas, os dias, as semanas e anos passam no tic-tac continuo. Me sinto feliz de relembrar o Conde e Condessa do Giz, embora os títulos sejam apenas carinhosos, eles eram nobres todos sabiam.
            O casal Arruda soube viver uma vida com estilo nos anos dourados de Barra do Corda. O casal foi bossa nova na forma de vestir-se, sem esnobar. Na vida social da cidade, e nas festas que promoviam em seu Castelo de Giz, pois sabiam receber como ninguém a fina flor da sociedade local.
            De Dona Guaracy, podemos falar, que a sua beleza era apenas um detalhe, ela foi muito mais que isto, uma pessoa muito distinta e educada, uma perfeita Lady, digna de viver em qualquer palácio real. Nunca se ouviu falar nada que pudesse manchar a imagem dessa linda Dama, vivia para seu esposo e filhos e convivia muito bem com todos e incapaz de qualquer desinteligência.
            Da Lady Arruda somente tenho boas lembranças, ela sempre me tratou com carinho quando eu aparecia no Castelo para as leituras semanais, em voz alta, eu e o Denis, por determinação do Duque, depois do programa radiofônico “A Voz do Brasil”. O Duque e a Lady acompanhavam nossas leituras e ficavam atentos corrigindo o gaguejado e a antropofagia de letras e de palavras.
            O passamento de Dona Guaracy, a sua lembrança ainda está muito presente, a vejo dirigindo o jeep, transitando pelas ruas da cidade para a admiração de todos, pela modernidade de uma mulher no volante de um veículo; parece que ainda ouço o casal sentado na porta do Castelo, conversando com os amigos e vizinhos.
            Ao olhar a foto do Castelo de Giz, vejo a mesma porta de entrada, o muro e o jardim de outrora; as árvores da praça também são as mesmas, mas os personagens são outros e não poderia ser diferente na sucessão dos acontecimentos e da vida. Os anos dourados terminaram com a partida do Zezé Arruda e Dona Guaracy foi ao encontro dele.

*Eduardo Galvão é historiador e Vice-Cônsul do Brasil em Saint George’s - Granada 

(TB8out2014)

 

Artigo
O Araticum antigo
e Ilídio Galvão Araújo

jornal Turma da Barra

"A sonoridade do saxofone no Araticum antigo é o que me liga ao meu primo Ilídio e aquelas notas saudosas ainda chegam em meu coração e traz emoção ao lembrar com saudade das  perdas irremediáveis, o Araticum antigo e do Ilídio."

*Eduardo Galvão

            O Araticum do tio Antonim Araújo era uma vila com poucas casas e havia muitas palmeiras e outras árvores nativas e também frutíferas. O rio Mearim completava a paisagem do Araticum.
            O porto da casa do tio era coberto de pedrinhas multicoloridas e naquele local o rio descia calmo e tranquilo e a água tinha a tonalidade de vida, de pureza. As anigueiras e outras plantas protegiam as margens, o que dava um ar especial ao lugar.
            Como era gostosa aquela água quentinha para banhos e também para as pescarias de linha e anzol!
            Os moradores da vila querida, na época de minha infância, viviam todos unidos como irmãos, o tio Antonim, Nelson, casado com a prima Maroquinha, Ilídio, Dona Inês do finado Rufino e também do Tio Amilton Galvão, que residiu no lugar por alguns anos. Viviam como uma só família, os residentes tinham vida simples e pareciam felizes.
            Fecho os olhos, vejo a estradinha ligando a casa da tia Inês e a de seu filho Raimundo Ilídio Galvão Araújo, ou carinhosamente conhecido por Ilídio, o caminho era margeado por árvores depois da passar pela casa do forno. A residência dele, embora simples, mas pitoresca, era situada na curva do rio mearim, em frente ao remanso das meninas.
            Quando criança, em dias que visitávamos a minha tia querida, era comum ouvir o som de saxofone que “estrondeava” entre os matos e as palmeiras ao vento, parecia fazer coro com o cantar dos pássaros. Era o Ilídio fazendo seus exercícios musicais.
            Aquela sonoridade parecia mesclar com a das águas na itaipava próxima e completava a música suave, que sobressaia e me atraía até a casa na curva do rio.
            No pequeno percurso caminhava lentamente, curtindo a música pela estradinha reta e me aproximava da casa simples, coberta com folhas de palmeiras e paredes de taipa, onde morava o Ilídio e Dona Lió, como a conhecíamos, e seus filhos.
            O Araticum e a família da tia Inês Galvão Araújo, irmã de meu pai, marcou nossa família profundamente, ainda temos hoje profunda ligação de carinho com os Galvão Araújo. No meu tempo, os irmãos Línton e a Espírito Santo já haviam partido para Brasília.
            Recordo, desde a minha tenra idade, quando papai e mamãe e a meninada, caminhavámos até o Araticum para visitar a tia, que morava numa casa de salões grandes, cozinha ampla, de onde saíam aromas gostosos de comida em preparação.
            Agora o Ilídio foi para Deus. Depois que parti de Barra do Corda nos encontramos poucas vezes, mas lembrei dele com muita saudade quando li a notícia do seu passamento.
            A sonoridade do saxofone no Araticum antigo é o que me liga ao meu primo Ilídio e aquelas notas saudosas ainda chegam em meu coração e traz emoção ao lembrar com saudade das  perdas irremediáveis, o Araticum antigo e do Ilídio.

*Eduardo Galvão é historiador e Vice-Cônsul do Brasil em Saint George’s - Granada 


(TB23set2014)

 

Artigo
Corpo de delito
jornal Turma da Barra

"A solidão da cruz me encantava e ficava arrepiado quando passava sozinho e me fazia imaginar coisas do outro mundo. A estrada silenciosa ouvia-se monótono o casco do animal batendo nas pedras e os barulhos normais da mata viva, com animais e insetos de muitas espécies"

*Eduardo Galvão

            A cachoeira Grande era o ponto de descanso, no porto que ficava acima da queda d’água. Os viajantes tiravam a carga dos animais debaixo das sombras e arranchavam para o descanso depois de longa caminhada e cochilavam facilmente sob os sons das águas em queda. Muitas vezes em viagem de Barra do Corda à Sardinha, viajando de animal, eu parava naquele porto para comer frito e ficava sentado numa pedra matutando lugares longínquos.
            Foi no início dos anos 1950 que meu pai trabalhou na Aldeia Sardinha pela primeira vez. Minha mãe contava que eles sempre paravam naquele porto e ela tinha medo das onças e outros animais selvagens que eram abundantes naquela época de mata virgem.
            No período selvagem, a cachoeira era esplendorosa na simplicidade, vestida do colorido do mato, enfeitada pelas flores das plantas trepadeiras e adornada com colar de pérolas brilhando ao reflexo do sol, as bolhas das águas cristalinas.
            Os viajantes sentiam o espírito guardião daquela paragem, por fluir algo encantador, que se espalhava com o som das águas, audível desde o estirão do 18. Aqueles sons fantásticos penetravam no fundo da alma dos passantes, quando se aproximavam pelo caminho íngreme daquele tempo.
            Ao descer e subir a ladeira aparecia à cruz solitária que havia muitos anos ali disposta, na curva da estrada, marcando a sepultura do resto de um corpo humano por nós desconhecido, talvez do guardião da cachoeira grande? As lendas eram tantas!
            A solidão da cruz me encantava e ficava arrepiado quando passava sozinho e me fazia imaginar coisas do outro mundo. A estrada silenciosa ouvia-se monótono o casco do animal batendo nas pedras e os barulhos normais da mata viva, com animais e insetos de muitas espécies.
            Depois da curva, a estrada era calçada de pedrinhas e de outras maiores conhecidas como “cabeça de negro”, margeada por mata fechada até avistar a cachoeira. No declive, próximo da cachoeira, tinha uma tapera de barracão, que servira de depósito para guardar as provas dos crimes de políticos irresponsáveis, que desvirtuaram um sonho de progresso e estupraram a cachoeira, desvirginando-a com violência e a abandonaram sangrando, solitária.
            No topo do morro tinha uma casa de alvenaria, de lá se avistava toda a aflição das águas e a cachoeira parecia repousar domesticada pela violência do homem, que tentara tirar proveito da força das águas. O trabalho inútil: agora jazia a cachoeira furada e a concretada fazendo barreira dificultando o caminho das águas. Houve dois crimes.
            Os viajantes passavam admirados das ferramentas estranhas ali depositadas e cumprimentavam um senhor de meia idade que ficava sentado na varanda da casa do morro. O Seu Venâncio vigiava, não sabia a utilidade de seu trabalho, os equipamentos enferrujados espalhados no mato eram pesados, com formatos estranhos. Quem podia levantar e carregar tremenda tralha? No entanto, resignado, o homem sentado vigiava, era o seu ganha pão.
            O espírito guardião convocou os homens das matas e em grupo veio para a guerra: derrubaram a casa do morro, queimaram, espancaram o homem que vigiava e ele fugiu para nunca mais voltar.
            Na aldeia Guajajara da Cachoeira, os ferros retorcidos e enferrujados, o concreto e as barras de ferro em armação, continuam no mesmo lugar como a prova ignóbil de um crime de estupro da beleza natural, seguido de roubo do dinheiro público.

*Eduardo Galvão é historiador e Vice-Cônsul do Brasil em Saint George’s - Granada 


(TB9set2014)

 

Artigo
O homem e o mar
jornal Turma da Barra

"O Brasil, apesar de ter uma costa de mais de 5 mil kilometros, não dispõe de marinas para receber pequenos e médios barcos que têm quilhas acima de 5 metros  - parte inferior do casco que equilibra o barco, não deixando o vento e as ondas virá-lo. Por não explorar esse filão turístico o Brasil deixa de estimular a entrada de milhões de dólares em divisas para o nosso país."

*Eduardo Galvão

            Depois de um certo período vivendo em Granada, existem poucas novidades a serem vistas na ilha e a vida se torna uma rotina. O interessante é que não ficamos entediados, o horizonte longínquo sempre nos convida a reflexão e a paisagem e o colorido não são os mesmos todos os dias. As montanhas, devido as chuvas constantes nesta época do ano, se renovam e ficam mais verdes e floridas a cada amanhecer.
            Neste final de semana recebi em minha casa o casal Ricardo e Roberta, cariocas, ele é o comandante do iate do Nelson Piquet, que se encontra ancorado na Marina Port Louis, em Saint George`s, esperando a temporada de furacão passar, que vai até dezembro. Roberta é uma jovem senhora muito simpática. Eu e minha esposa tivemos grande empatia pelo casal e os convidamos para passar o domingo conosco.
            O Comandante Ricardo, ex-esportista na área do iatismo, conteporâneo e amigo de Torben Grael, medalista das olimpíadas de Atenas, Seul e Atlanta,  é um carioca da gema, divertido e de agradável conversação. Fizemos um arremedo de churrasco em nosso quintal e passamos o dia jogando conversa fora, curtindo o mar e a psicina, e bebericando alguma coisa.
            Nossa conversa, logicamente, versou sobre o mar e as dificuldades enfrentadas em viagem de longo curso em barcos movidos à vela, mas também sobre o Brasil, da falta de interesse brasileiro em explorar o turismo para velejadores, que têm os seus barcos como morada e que singram os mares do mundo inteiro fazendo paradas, as vezes de até seis meses, em marinas.
            O Brasil, apesar de ter uma costa de mais de 5 mil kilometros, não dispõe de marinas para receber pequenos e médios barcos que têm quilhas acima de 5 metros  - parte inferior do casco que equilibra o barco, não deixando o vento e as ondas virá-lo. Por não explorar esse filão turístico o Brasil deixa de estimular a entrada de milhões de dólares em divisas para o nosso país.
            Conforme o Ricardo me falou, a costa brasileira tem água rasa e, para fazer canal de entrada para marina, é necessário um dispendioso trabalho de dragagem para obter  profundidade suficiente para receber  barcos, sendo que a profundidade ideal seria de 20 metros.
            Ele me mostrou, através de seu celeluar, que obtém informações de satélite, que a costa brasileira tem poucos os lugarares com profundidades superiores a cinco metros. No Maranhão e Piauí, a situação é pior, a costa tem uma extensão de 20 quilômetros, da terra até encontrar águas com maior profundidade, o que torna a construção de marinas muito caras.
            Em Granada e nas demais ilhas do Caribe, durante o ano inteiro, as marinas estão superlotadas de veleiros e camatamarãs, que pertencem a cidadãos de diversas partes do mundo, além de iates luxuosos, como o do Piquet, que necessitam de uma marina com boa infraestrutura para aportar. Eles trazem riquezas e ganham o descanso de corpo e alma.
            É sempre uma satisfação, quando se vive  longe da pátria, em um país onde não mora brasileiro (coisa rara no mundo), encontrar concidadãos que nos deixam felizes com suas presenças,  e assim tivemos  um bom dia.

*Eduardo Galvão é historiador e Vice-Cônsul do Brasil em Saint George’s - Granada 


(TB2set2014)

 

Artigo
Integridade, inteligência e energia
jornal Turma da Barra

De minha parte, eu falo, conheci a candidata Marina Silva 
na última campanha para prefeitura de Macapá, em um café da manhã de líderes de comunidades em favor do então cadidato Clécio Luís, que ganhou a eleição, e na oportunidade fiquei admirado pela energia daquela senhora frágil, 
que tem um discurso vigoroso em favor do Brasil.'

*Eduardo Galvão

            No triste episódio da morte do candidato do PSB à presidência da República, Eduardo Campos, ficou a imagem de uma grande mulher, dona Renata (Renata de Andrade Lima) esposa de Campos. Ela não demonstrou fraqueza em público, manteve-se digna como deve se portar as pessoas íntegras e responsáveis.
            A dona Renata deixou o sofrimento para a intimidade lar, a imensurável  dor da perda de seu amado companheiro de longa data. Não deixou o sofrimento turvar o seu senso de responsabilidade para com os filhos, ou fraquejar naquele momento atroz. Ela precisava mostrar solidez para seus filhos de forma a ser percebido a continuidade da vida e que  ela era o outro esteio de árvore forte, sólido, capaz de segurar a casa em pé na tempestade e passar segurança, apesar de toda a crueza da vida.
            Agora temos a imagem de outra mulher, de origem mais humilde, mas de caráter sólido, Marina da Silva, apesar da rejeição de alguns seguimentos da sociedade por ela ter lutado no lado da natureza, da pobreza, por ser evangélica e por ter uma aparência física humilde, imaginam os zombeteiros e egoísta que ela não tem capacidade para gerir o Brasil.
            Marina poderá surpreender na reta de chegada da campanha eleitoral, por também ser uma mulher inteligente e, parece, que não tem medo do futuro e o seu passado incorrupto testemunha a seu favor. Se ganhar poderá fazer um bom governo.
            Não podemos contar vantagem a respeito de planos para o futuro, pois não sabemos o que vai acontecer amanhã. O reflexo no amanhã é da luta hoje, assim, vamos aguardar as alianças e os discursos para fazermos as escolhas, a campanha eleitoral ainda está no seu começo.
            De minha parte, eu falo, conheci a candidata Marina Silva na última campanha para prefeitura de Macapá, em um café da manhã de líderes de comunidades em favor do então cadidato Clécio Luís, que ganhou a eleição, e na oportunidade fiquei admirado pela energia daquela senhora frágil, que tem um discurso vigoroso em favor do Brasil.
            Não acho que as mulheres sejam mais incorruptíveis ou capazes do que os homens, exemplos nesse sentido no Maranhão temos de sobra. Tanto faz, seja homem ou mulher, para realizar um bom governo não é questão de sexo, mas de itegridade, inteligência e energia.

*Eduardo Galvão é historiador e Vice-Cônsul do Brasil em Saint George’s - Granada 


(TB26ago2014)

 

Artigo
13 de agosto
Dia do mestre Nonato Silva

jornal Turma da Barra

"Infelizmente, somos julgados como cristão se vamos ou não a igreja com assiduidade, 
e não pelo bem que fazemos a alguém, pela caridade que aplicamos e pela compreensão que temos pelos problemas dos outros e como agimos nesses momentos.
"

E, quando ficarem velhos, eu serei o mesmo Deus; cuidarei de vocês quando tiverem cabelos brancos. Eu os criei e os carregarei; eu os ajudarei e salvarei.
Isaías 46.4

 

*Eduardo Galvão

Como é bom dizer papai, vovô
Tocar nos cabelos brancos,
E a felicidade de dar abraço querido, agradecido,
De parabéns pra você.
Ouvir a sua voz frágil dizendo: meu filho.
Pai, vô, meu amigo, estamos aqui para te homenagear,
Falar da sua humanidade,
De sua humildade,
Da simplicidade de monge,
De milhões de palavras santas que proferiu.
Da responsabilidade que nunca rejeitou:
De padre, pai, e profissional digno.
Da música de que gostava tanto,
Da origem das coisas e das palavras.
Tua sabias que para ser sábio
Primeiro tinhas que aprender a temer a Deus.
Deus é fiel e bom, Ele escuta o nosso pedido:
Pedimos que te dê esperanças,
Que Ele esteja sempre  presente;
Que  todas manhãs tu fales de amor com Ele,
Que o Espírito Santo te conduza por um caminho seguro,
Porque Deus é bom e te livrará de todas as aflições.


*Eduardo Galvão é historiador e Vice-Cônsul do Brasil em Saint George’s - Granada 


(TB13ago2014)

 

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